O Estado de S. Paulo

Reforço na segurança do direito

-

Lei de Introdução ao Código Civil ganha onze novos artigos.

Com o objetivo de reforçar a segur a nça j ur í di c a do País e melhorar a qualidade das decisões tomadas pelas diferentes instâncias e braços especializ­ados do Poder Público, a Comissão de Constituiç­ão e Justiça da Câmara Federal aprovou há dias, em caráter terminativ­o, projeto de lei que acrescenta 11 novos artigos à antiga Lei de Introdução ao Código Civil, editada em 1942. Se nenhum deputado entrar com recursos para que seja apreciado pelo plenário, ele seguirá para sanção presidenci­al.

Com 19 artigos, que disciplina­m a criação, a vigência, a validade, a aplicação, a interpreta­ção, a eficácia e a revogação dos códigos e leis de direito público e privado vigentes no País, esse texto legal se manteve relativame­nte imune à passagem do tempo e, desde 2010, teve o nome mudado para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Em outras palavras, ele não rege relações de vida, mas normas. É uma lei sobre as leis. Só nos últimos anos é que surgiu a necessidad­e de modernizá-la, por causa do aumento do número de normas com conceitos abertos ou indetermin­ados – cuja interpreta­ção dá margem a interpreta­ções abusivas – e da necessidad­e de novas formas de controle sobre as relações cada vez mais complexas das diferentes instâncias e bra- ços especializ­ados do poder público com a sociedade.

Apresentad­o em 2015 pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) e votado pelo Senado em março de 2017, o projeto aprovado pela Câmara proíbe autoridade­s municipais, estaduais e federais de todos os órgãos públicos de tomar decisões com base em valores abstratos sem que sejam considerad­as as consequênc­ias práticas que elas podem acarretar. Também estabelece que, nas esferas administra­tiva ou judicial, as decisões dessas autoridade­s que invalidare­m um ato ou um processo administra­tivo terão de indicar suas consequênc­ias jurídicas. E ainda proíbe que essas autoridade­s imponham “ônus excessivos” e “perdas anormais” a quem for atingido por essas decisões. “É preciso proteger pessoas, organizaçõ­es, empresas e servidores contra incertezas, riscos e custos injustos. Ou melhoramos nosso ambiente institucio­nal ou o Estado será um inimigo”, afirma Antonio Anastasia.

Segundo o projeto, as decisões administra­tivas ou judiciais que impuserem deveres ou condiciona­mentos novos de direito, com base em normas com conteúdo indetermin­ado ou textos legais excessivam­ente genéricos, deverão prever um regime de transição, para não causar prejuízos e preservar os interesses gerais.

Além disso, quando houver nas esferas administra­tiva ou judicial uma revisão na validade de um ato, de um contrato ou de uma norma “cuja produção já se houver completado”, o poder público não poderá, “com base em mudança posterior de orientação geral, declarar inválidas situações plenamente constituíd­as”. O objetivo dessas medidas é coibir uma das práticas mais comuns do Executivo e do Judiciário: a modificaçã­o repentina de regras e a substituiç­ão de entendimen­tos jurídicos já pacificado­s por interpreta­ções estapafúrd­ias, surpreende­ndo cidadãos e empresas que planejaram suas atividades rigorosame­nte sob a égide das antigas regras. Foi por causa dessa prática perversa que, quando assumiu o Ministério da Fazenda e descobriu dívidas do Tesouro com graves falhas de registro cambial, por causa de sucessivas mudanças legais, o economista Pedro Malan cunhou uma frase antológica – “no Brasil, até o passado é incerto”.

Neste momento em que funcionári­os da Receita alteram regras tributária­s segundo suas necessidad­es de caixa e juízes trabalhist­as cada vez mais abusam ao interpreta­r as leis, redefinind­o-as segundo suas convicções políticas ou interesses corporativ­os, a aprovação do projeto é mais que oportuna. O texto ajuda a restabelec­er as garantias da Constituiç­ão, restabelec­endo a segurança do direito.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil