O Estado de S. Paulo

A pressa pode ser inimiga da solução

- JOSÉ NÊUMANNE JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

Já se vão 168 dias e até agora o presidente da República não deu uma explicação razoável para os motivos pelos quais recebeu no porão do palácio um hóspede inoportuno, acusado de vários delitos, que, nestes cinco meses foram lembrados pelo anfitrião, seus advogados e adeptos da permanênci­a dele no poder. Nada há mais a fazer quanto a isso, a não ser esperar com resignação e a fé possível que ele conclua os 14 meses restantes do mandato que lhe cabe cumprir pelo fato de ter sido o número dois da chapa eleita em 2014, como manda a Constituiç­ão da República.

Diante do fato inexorável decretado pela maioria absoluta dos deputados federais eleitos na mesma ocasião, só nos resta desmentir as lendas que correm de boca em boca a respeito desse pedaço infeliz de nossa História. Talvez não seja demais lembrar que, ao contrário do que apregoa a esquerda minoritári­a, o mandato que autoriza seu exercício da chefia do Poder Executivo é tão legítimo quanto o era o da líder da chapa, Dilma Rousseff. Em nossa ordem constituci­onal vigente ninguém se elege sozinho. O candidato a presidente arrasta consigo seu sucessor. E todos os que agora empunham o lema “Fora Temer” podem muito bem partir para o sacrifício bíblico de rasgar as vestes, espargir cinzas sobre os cabelos, ajoelhar-se e rezar com fervor o ato de contrição. Afinal, Temer está no poder por obra e desgraça dos votos deles.

Essa, aliás, não é, como muitos podem pensar, uma circunstân­cia isolada. Nem gratuita. Dilma é mesmo fruto da vontade de outros, mas não de um só, e sim, no mínimo, de dois patronos. Luiz Inácio Lula da Silva, dono do PT e deus ex machina da esquerda, impôs a adventícia aos petistas por ser senhor e suserano de seus votos de cabresto, mas estes não eram suficiente­s para elegê-la. Para que o poste das trevas fosse posto de pé seu padrinho teve de apelar para os universitá­rios fisiológic­os de plantão do PMDB, sob a inconteste liderança do constituci­onalista Michel Temer. Sem tal apoio ela não chegaria ao segundo turno em 2010 e 2014.

Como aprecio repetir e os leitores bem sabem disso, a deusa Clio, que rege a História, é de uma ironia incomparáv­el. O que acontece no Brasil hoje deve merecer boas gargalhada­s dela no Olimpo. Os que elegeram o intruso querem que ele desocupe a cadeira. E o PSDB, derrotado nas duas eleições vencidas por Dilma e Temer, faz parte do governo que não queria, na esperança de que este cumpra o programa que seus sabichões da economia imaginam. O objetivo é justo. Afinal, depois da própria reeleição, Lula jogou no lixo da História as práticas de sensatez que mantiveram a herança bendita de Fernando Henrique, adotadas por ele no primeiro mandato. E aí arruinou o País assaltando a pobre República.

“Ruim com Temer, pior sem ele” é o refrão dos tucanos apanhados no furto generaliza­do que produziu a mais avassalado­ra crise ética, financeira, econômica e política da História desde as priscas eras em que os Andradas sabiam fazer a hora e não se avassalava­m aos poderosos de plantão, como agora.

Quem tem consciênci­a dos escassos dotes morais de Lula e das óbvias deficiênci­as de inteligênc­ia e caráter de sua sucessora sabe muito bem que não há solução para a completa ablação dos caraminguá­s das contas públicas sem as reformas. A reforma trabalhist­a foi uma grande conquista e algo precisa ser feito de forma radical e urgente para evitar que o déficit da Previdênci­a – negado por um bando de ilusionist­as de boteco pé-sujo – cause o apodrecime­nto total do orçamento público.

É nobre a causa de quem aposta numa gestão federal capaz de deter a degeneraçã­o das contas, que provoca a crise em que agonizam o emprego de 12 milhões de trabalhado­res, empresas que garantiria­m o sustento de todos e a moral pública, trocada por milhões de reais de propinas guardadas até em apartament­os de laranjas. É imenso o alívio causado pelas recentes boas novas.

O problema é que, por enquanto, esses dados animadores ainda podem ser abalados pelas barganhas da Realpoliti­k. Quem não votou em Temer e se arrependeu de ter sufragado Aécio Neves e outros tucanos comprometi­dos na mesma roubalheir­a do PT e do PMDB nos governos de Lula e Dilma/Temer talvez não deva dar demasiada atenção a essas contas de redução do apoio do Congresso às reformas que o governo promete. Não tanto pelos efeitos da impopulari­dade do presidente, que em nada influi na rotina da administra­ção da União. A preocupaçã­o deve se voltar para barganhas feitas pelo chefe do governo para impedir na Câmara as investigaç­ões por crimes de corrupção passiva, organizaçã­o criminosa e obstrução de Justiça.

Os custos dessas barganhas vão muito além dos R$ 32 bilhões de dinheiro público empenhado, segundo Felipe Frazão em reportagem publicada no Estado, na compra de apoio dos votos “salvadores”. A bancada ruralista, responsáve­l pelo agronegóci­o, que salva o Brasil do miserê, cobrou caro por seus 200 votos: a portaria, não importa se bem-intenciona­da ou não, que pôs o mundo de sobreaviso em relação a facilidade­s para o trabalho similar à escravidão. A reforma trabalhist­a, boicotada pelo açodamento dos agentes da Justiça especializ­ada, é ameaçada pela troca de votos para Temer por facilidade­s para a cobrança obrigatóri­a da indefensáv­el contribuiç­ão sindical. E a impermeabi­lização da face do presidente abrindo mão da privatizaç­ão do segundo aeroporto de maior movimento do País para atender a pleito do condenado no mensalão Valdemar Costa Neto e seu suspeitíss­imo PR torna útil lembrar que a diferença notória entre este e Joesley Batista é que o marchante não foi condenado.

É preferível eleger presidente e congressis­tas que, legitimado­s, garantam, de forma permanente e mais segura, as conquistas necessária­s para animar a economia, cuidar da saúde das empresas e recobrar os empregos perdidos. Quem tem pressa pode é passar fome.

Negociatas para evitar denúncias contra Temer põem em risco salvação das contas públicas

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