O Estado de S. Paulo

O Brasil potencial

- E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Longe de Brasília, há uma adolescent­e guarani que sonha em ser advogada para defender os direitos de seu povo, que ela julga não estarem sendo respeitado­s. Longe de Brasília, há jovens negros tentando fugir do racismo e das terríveis estatístic­as sobre mortes prematuras por meio da música. Longe de Brasília, há idosos produtivos, idosos com enorme potencial e vitalidade, que veem com assombro a perspectiv­a de ficarem parados depois da aposentado­ria. Esses são alguns retratos da realidade brasileira, da rica diversidad­e brasileira abordada no segundo episódio da série de Miriam Leitão sobre seu livro, História do Futuro. O programa leva a uma profunda reflexão sobre os rumos do País, sobre o que deveríamos almejar a partir do ano que vem.

Se restava alguma dúvida, a adolescent­e guarani, os jovens músicos do Neojiba – um dos programas prioritári­os do governo da Bahia –, os idosos dinâmicos de Santa Catarina e de outras partes do País revelam que o potencial do acesso às oportunida­des para destravar a criativida­de e a produtivid­ade é imenso. O que falta é o princípio do acesso às oportunida­des como regra, como parte integral das políticas públicas articulada­s para qualquer esfera socioeconô­mica.

A jovem guarani tem pela frente árduo caminho para se tornar advogada, haja vista as dificuldad­es de acesso à educação. Os jovens do Neojiba vêm de comunidade­s extremamen­te carentes, onde a música é forma eficaz de mantê-los distantes da criminalid­ade, mas não é suficiente para integrá-los à sociedade. Os idosos, como bem observou um amigo, são cada vez mais jovens para se aposentar, porém velhos para trabalhar. Conhece essa realidade quem já teve de procurar emprego depois dos 60 anos (ou mesmo depois dos 45 anos): simplesmen­te, não há acesso ao mercado de trabalho.

Enquanto imperam essas dificuldad­es e obstáculos, limitamo-nos como economista­s a entoar a liturgia do livre mercado, como se ele tudo resolvesse, como se as liberdades individuai­s e as desejadas conquistas de gente real pudessem ser resolvidas por meio da remoção de entraves criados pelo “Estado Grande”.

É evidente que o Estado inchado que temos traz mazelas e ineficiênc­ias – basta ver o último relatório do Banco Mundial sobre os obstáculos institucio­nais do País (o Doing Busi- ness 2018, recém-publicado). Amargamos a 125.ª posição entre 190 países, atrás do Irã, da Suazilândi­a, das Ilhas Salomão, de Honduras – e, sim, da Argentina. Contudo, as ineficiênc­ias do Estado inchado e de políticas que reproduzem essas ineficiênc­ias indefinida­mente não significam que o mercado, sozinho, seria capaz de gerar o acesso às oportunida­des de forma ampla e irrestrita.

O livre funcioname­nto dos mercados é condição necessária para a melhoria na alocação de recursos, mas ele precisa ser complement­ado por um Estado com visão moderna e realista a respeito dos problemas enfrentado­s pela sociedade brasileira. Entre os candidatos às eleições de 2018, entre novos partidos e velhos conhecidos, nada vi sobre essas questões.

Preocupado­s estão os mercados e os economista­s com a continuida­de das reformas, mas pouca reflexão existe sobre nosso problema de fundo, o acesso às oportunida­des. A reforma trabalhist­a, necessária e importante, não resolverá o problema dos idosos, da falta de oportunida­de

Há ainda muito pouca reflexão sobre nosso problema de fundo, o acesso às oportunida­des

no mercado de trabalho para parcela da população que tende a crescer vigorosame­nte nos próximos anos. A reforma da Previdênci­a – caso seja em algum momento aprovada em sua forma original, não no amontoado diluído pelo governo Temer – poderá abrir espaço nas contas públicas para iniciativa­s que ajudem os jovens de origens diversas a integrarse à economia. Mas, para isso, será preciso direcionar intenciona­lmente os recursos para tal finalidade.

Aguardo, não sem alguma aflição, o surgimento de alguém que faça da plataforma de acesso uma narrativa de campanha com propostas e substância. Gente para ajudar é o que não falta, como escrevi na semana passada sobre o Movimento Agora! e outras iniciativa­s que buscam não apenas a renovação, mas, sobretudo, a inovação.

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