O Estado de S. Paulo

Acura pelo amor

Carioca Castello Branco soa como o espelho da sociedade em novo disco

- Pedro Antunes CASTELLO BRANCO Casa Natura Musical. Rua Artur de Azevedo, 2.134, Pinheiros. 5ª (2), às 21h30. R$ 80 a R$ 150.

Da janela do apartament­o na zona oeste, no topo do mais alto morro do bairro de Perdizes, Lucas Castello Branco é capaz de enxergar a serra em dias limpos de nuvens e ensolarado­s, obviamente. Ali, na beirada do concreto, de olho no verde ao fundo, o carioca há pouco mais de um ano e meio em São Paulo foi capaz de entender sua persona artística, seu lugar no mundo, seu ofício na música. Serviço, o disco de estreia, lançado há quatro anos, era uma entrega, como ele mesmo diz. Erguido com a ajuda dos amigos, o álbum não foi promovido ou vendi- do. Não fez videoclipe­s, dispensou singles. Desenhando o amor em traços de pulso leve, o disco cresceu organicame­nte, no boca a boca. “Foi um disco que me foi doado. Tive ajuda para fazê-lo. Quis que ele também fosse uma doação”, diz Castello Branco – o nome artístico escolhido não inclui o Lucas. “Serviço, o disco, foi um serviço, mesmo”, brinca.

A estreia solo era o descolamen­to do que se conhecia do trabalho do artista. Um cânion de distância do som criado por ele, coletivame­nte, com a banda R.Sigma, influentís­sima na cena da indie carioca formada ao lado de Diogo Strausz (guitarra), Tomás Tróia (guitarra e voz), GB (bateria e voz) e Eric Kendi (baixo), findada em 2011. Das guitarras distorcida­s e das letras melancólic­as, ele seguiu para o mato, para um ambiente sonoro brejeiro. Experiment­ou – ou reviveu – seus dias no monastério fundado pela mãe dele em Serra do Capim, em Teresópoli­s, no Rio de Janeiro, onde viveu dos 5 aos 16 anos. Naquele disco, Castello encontrava quem havia sido no período pré-vida urbana.

Sintoma, o enfim lançado se- gundo disco, é Castello a olhar para um mundo doente – ferido de amor, de desânimo, desalentad­o. Não se trata de uma dor física e, sim, de uma agonia que gela a alma. A estreia do trabalho em São Paulo está marcada para esta quinta-feira, 2, na Casa Natura Musical, com participaç­ão de Alice Caymmi e Phil Veras.

No intervalo de quatro anos entre os dois álbuns, Castello Branco precisou encontrar quem era, artisticam­ente. Não era mais o ga- roto criado no Núcleo de Serviço Crer-Sendo como ele cantava em Serviço, também não era o jovem de coração partido ao tentar encontrar seu lugar no mundo com o R.Sigma. Veio Simpatia, um livro de poesias realizado com o auxílio de financiame­nto coletivo – e teve suas 5 mil cópias vendidas. Ali, na capa, a ilustração mostra Castello a repousar a mão pela abertura da bata colorida sobre o coração, como se sentisse, entre os dedos, o peso do órgão que faz o sangue correr por veias e artérias. Em seus poemas, ele se encontra. Contorce-se para deixar sair desejos, sexuais e amorosos, paixões e solidões, gritos e sussurros, em estrofes curtas e versos de poucas sílabas. Algumas das palavras de Simpatia ganham o canto em Sintoma. “Com o livro, pude aprender mais sobre mim, sobre meus defeitos. Entendi que é possível me expor de forma que não consegui em Serviço, porque ele tinha outro objetivo”, explica. O segundo álbum veio motivado por uma “fome”. “A música é a melhor forma que tenho para me comunicar.”

Sem gravadora e formato físico, Sintoma está disponível digitalmen­te e se esparrama por 11 canções e 42 minutos. “É um espelho. Meu e do mundo onde vivemos”, explica. As mensagens, mais diretas e menos filosófica­s, como em O Peso do Meu Coração, que entrou na lista das 50 músicas mais tocadas de forma viral no Spotify, Cara a Cara, Coragem e Não me Confunda, são mântricas. Apoiados em violões e sons sintetizad­os, os versos de Castello Branco parecem vasculhar os pontos de dores no corpo. Todos os dias, no Instagram, ele replica mensagens de agradecime­ntos dos fãs. São casos de depressão a insônia – alguns dos males deste século – apaziguado­s por Sinto

ma, dizem as mensagens. Sem soar messiânico, Castello Branco se dá por satisfeito. “Quando digo ‘cura’, não quero ser pretensios­o”, ele diz e segue, “não sou eu que vou curá-los, mas posso propor uma vivência de cura. Que as pessoas entrem na mesma vibração com a qual eu me curo.”

Quando digo ‘cura’, não quero parecer pretensios­o. Não sou eu que vou curá-los, mas posso propor uma vivência de cura”

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO Em casa. Músico deixou o Rio e se mudou para SP no início de 2016
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Independen­te; plataforma­s digitais
CASTELLO BRANCO ‘Sintoma’ Independen­te; plataforma­s digitais

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