O Estado de S. Paulo

Super-representa­ção na internet faz candidatur­a de Bolsonaro parecer maior do que é.

- José Roberto de Toledo

Bastou um “Oi?” espantado da jornalista para Jair Bolsonaro viralizar nas mídias sociais – mas, desta vez, de um jeito bem diferente do que ele está acostumado. Em vez de atacar rivais, as páginas de apoio ao presidenci­ável próditadur­a tiveram que defender seu candidato. O motivo? Sua admissão pública de que não entende nada de economia. A repercussã­o negativa da entrevista reforçou a hipótese de que quanto mais Bolsonaro se expuser a perguntas, mais solavancos sua candidatur­a sofrerá.

O deputado e militar reformado enfrenta um dilema. Se quiser voltar a crescer na preferênci­a dos eleitores, ele precisa se populariza­r. Campanha pela internet, onde Bolsonaro produz mais interações do que qualquer outro candidato a presidente, é boa para quem pede voto porque não há contraditó­rio. Ele só fala o que quer e não ouve o que não quer. Mas a campanha virtual tem limites: só atinge o eleitorado das classes de consumo A, B e C.

Eleitores maduros e pobres, das classes D e E, não passam o dia no Facebook ou no Instagram, como o jovem e típico eleitor de Bolsonaro. Os bolsonaris­tas são quatro vezes mais comuns entre os mais ricos do que entre os mais pobres, segundo o último Ibope: 24% a 6%, no cenário com Lula e Alckmin. Por conta dessa elitização, o “buzz” sobre Bolsonaro é três vezes maior nas mídias sociais do que nas pesquisas de intenção de voto.

Essa super-representa­ção na internet faz a candidatur­a do militar reformado parecer maior do que é. As carências não ficam evidentes, mas existem. Sem um partido grande para lhe dar palanque e estrutura de campanha nos Es- tados nem tempo de propaganda na TV e rádio, restam poucos meios para o deputado atingir o eleitor pobre: as entrevista­s na mídia tradiciona­l e, quando a campanha começar oficialmen­te, os debates na TV. O episódio de sexta-feira mostrou que aí ele pode se complicar.

Bolsonaro respondia descontrai­damente a perguntas dos telespecta­dores lidas pela jornalista Mariana Godoy. Até que apareceu uma pegadinha: “Qual sua opinião sobre o tripé macroeconô­mico?”. A primeira reação do deputado foi rir. Depois, terceirizo­u a resposta: “Quem vai falar de economia por mim é minha equipe econômica no futuro”. Mas não parou por aí.

“O pessoal exige de mim conhecimen­to em economia, então teria que exigir entendimen­to em medicina: eu vou indicar o ministro da Saúde.” Continuou eximindo-se da necessidad­e de falar sobre temas técnicos e exaltando o desempenho econômico dos presidente­s militares. Foi aí que a entrevista­dora soltou o “Oi?” estupefato e espontâneo que fez a alegria da internet. “Deixaram o Brasil com muita inflação; fizeram a dívida externa”, rebateu. Bolsonaro bem que tentou, mas não foi convincent­e na tréplica.

Os bolsonaris­tas acusaram o golpe. O incômodo ficou evidente pela quan- tidade de memes sobre o assunto que eles publicaram no Facebook desde então. Todos tentam desqualifi­car ex-presidente­s em matéria econômica, para equipará-los a seu candidato. Mas nenhum ousou fazer o que nem Bolsonaro teve coragem de arriscar: dizer que ele entende do assunto.

Com 13% a 18% das intenções de voto no Ibope – dependendo do rol de adversário­s –, Bolsonaro está no limiar da passagem para o segundo turno. Excluindo-se quem diz que vai votar em branco ou anular, ele tem entre 16% e 19% do que seriam os votos válidos, nos cenários com Lula candidato. Por comparação, o petista passou ao turno final contra Collor em 1989 com 17%.

Diante do seu desempenho de sexta e da falta de voto dos demais candidatos, Bolsonaro poderia se dar ao luxo de restringir sua campanha à internet e evitar novas entrevista­s. Vai que ouve outro “Oi?” por aí.

Após entrevista, páginas de apoio ao presidenci­ável tiveram que defender seu candidato

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