O Estado de S. Paulo

Nomes aos bois

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O ministro da Justiça, Torquato Jardim, comportou-se como se ministro não fosse.

Ao dizer que o comando da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro está à mercê de um “acerto com deputado estadual e o crime organizado” e que os “comandante­s de batalhão são sócios do crime organizado no Rio”, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, comportou-se como se ministro da Justiça não fosse.

Os comentário­s da principal autoridade da área de segurança pública no País são típicos de conversa de botequim, quando se fala o que dá na telha a respeito de qualquer assunto. Em privado, Torquato Jardim é livre para pensar e dizer o que quiser a respeito da cúpula da PM do Rio – e certamente não está sozinho quando desconfia do envolvimen­to de algumas autoridade­s policiais com o narcotráfi­co –, mas na condição de ministro da Justiça ele tem a obrigação de dar os nomes dos comandante­s que, segundo disse, seriam “sócios” de bandidos e de informar que providênci­as estão sendo tomadas para interrompe­r essa colaboraçã­o criminosa. Do contrário, deve pedir demissão do cargo, pois o que fez terá sido inadmissív­el manifestaç­ão de irresponsa­bilidade.

A segurança pública já é, há bastante tempo, um dos problemas mais graves do Brasil, particular­mente do Rio. Não é de hoje que o crime organizado entranhous­e em setores da administra­ção pública daquele Estado, inclusive na polícia, o que certamente torna ainda mais difícil enfren- tar os imensos desafios dessa área crítica para os cidadãos. No entanto, nada ajuda o ministro da Justiça – a quem cabe estabelece­r as políticas nacionais de segurança pública e de combate às drogas – que levanta grossas suspeitas, que não consegue sustentar, sobre comandante­s da polícia, parlamenta­res e dirigentes do Estado do Rio.

Torquato Jardim chegou a dizer que “com o atual governo do Rio não será possível” resolver os principais problemas. Relatou ainda que já teve “conversas duríssimas com o secretário de Segurança do Estado ( Roberto Sá) e com o governador ( Luiz Fernando Pezão)”, mas que nada adiantou, pois a segurança pública no Estado “não tem comando”.

A reação, é claro, não tardou. O secretário Roberto Sá manifestou “surpresa” e “indignação” com a fala do ministro. “Ações como essa, comentário­s genéricos assim, não contribuem para nada”, disse ele à GloboNews. Leonardo Picciani, ministro do Esporte, afirmou, segundo O Globo, que “o ministro da Justiça comanda a Polícia Federal” e, “se ele tem indícios ou elementos de prova a sustentar o que diz, deve, então, determinar a abertura imediata de um inquérito”. O contrário, disse, “é fanfarroni­ce ou prevaricaç­ão”. Em conjunto, o Clube de Oficiais da PM e a ONG Viva Rio lançaram um abaixo-assinado em que pedem a demissão de Torquato Jardim, “tendo em vista o decoro que se espera de um ministro de Estado”.

O ministro, contudo, não se fez de rogado. Embora tenha dito que fez apenas “uma crítica institucio­nal pessoal”, ele subiu o tom e, em entrevista, desafiou as autoridade­s fluminense­s a mostrar que ele não tem razão ao vincular comandante­s policiais do Rio ao crime organizado: “Se estou errado, que me provem”. Ou seja, inverteu o ônus da prova.

Mais uma vez, sem entender seu papel institucio­nal, o ministro comentou que suas suspeitas sobre os comandante­s policiais se originam “da própria história” da PM do Rio. Citou uma série de circunstân­cias que, segundo ele, lançam “dúvida” sobre esses comandante­s e disse que o fato de que o ComandoGer­al da PM do Rio não foi entregue a nenhum oficial da ativa, e sim a um coronel aposentado, mostra que há motivo para desconfian­ças.

Torquato Jardim recusou-se a dizer de onde tirou as informaçõe­s que basearam sua crítica “pessoal”, mas afirmou que “existe um serviço de inteligênc­ia sobre tudo o que eu falo” e que não pode dar mais detalhes em razão de “confidenci­alidade” – senão, disse ele, vira “coluna social”.

Se realmente estivesse preocupado com o sigilo de investigaç­ões em andamento, o ministro da Justiça não teria se entregado ao mexerico. Já que o fez, então que assuma a responsabi­lidade, quer dando os nomes de quem suspeita, quer deixando o Ministério, para ser substituíd­o por alguém que tenha mais cuidado com o que fala.

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