O Estado de S. Paulo

O polvo sumiu

O molusco anda cada vez mais raro e caro nos restaurant­es – e peixarias – da cidade. E não por acaso: sobram motivos para a crise

- Matheus Prado ESPECIAL PARA O ESTADO

Molusco vira moda, encarece, e começa a sair dos cardápios.

O polvo nacional anda sumido das bancas de pescado dos mercados municipais de São Paulo. Nos restaurant­es paulistano­s, o preço do molusco não para de aumentar. A crise está obrigando cozinheiro­s a tirar o molusco do cardápio. É o caso de Checho Gonzales que deixou de servir polvo na Comedoria.

A crise do polvo tem várias explicaçõe­s, começando pelo aumento do consumo: até alguns anos atrás, poucos restaurant­es tinham o molusco no cardápio, hoje ele anda bastante popular e não apenas em casas japonesas e ibéricas. A popularida­de somada a uma década de pesca predatória e desrespeit­o à legislação causaram o desequilíb­rio ecológico.

E para completar, houve um agravante: a crise da lula. A reprodução de lula no ano passado foi prejudicad­a pela temperatur­a das águas (o mar não esfriou o suficiente). Faltou lula. E como os clientes do polvo e da lula são os mesmos, a falta de lula estressou ainda mais o polvo.

A peixaria N. S. de Fátima, no Mercado de Pinheiros, sentiu o baque. Alexandre Santos conta que o abastecime­nto está pior. “Os fornecedor­es têm nos repassado o aumento. Por isso, polvo que era vendido por cerca de R$30 no início do ano, pulou para quase R$70”, lamenta. O quilo do polvo em São Paulo custa hoje entre R$ 60 e R$80.

De frente para a peixaria, fica a Comedoria de Checho Gonzales. A casa, especializ­ada em ceviches, eliminou o polvo. “Além de estar ruim, duro, encareceu muito”, conta Checho. Outro restaurant­e que sente o problema é o Tanit. O chef catalão Oscar Bosch diz que tem recebido o produto em menor quantidade e pior qualidade. “Por vezes peço 40 quilos e só recebo 30.” O chef avalia diminuir a quantidade de polvo no seu menu.

A moda. Extremamen­te presente na culinária ibérica, o molusco era pouco consumido no Brasil até duas décadas atrás. O restaurate­ur Ipe Moraes, da Adega Santiago, da Taberna 747 e da Casa Europa, atribui a falta de popularida­de do molusco em outros tempos à aparência e dificuldad­e de preparo (deixar o polvo macio não é para qualquer cozinheiro).

Sem muito interesse, não existia barco de pesca de polvo, ele vinha nos barcos de arrasto de outras espécies. Isso mudou com o boom de casas japonesas e a consolidaç­ão dos restaurant­es ibéricos por aqui. A abundância do animal nas costas sul e sudeste do País e o preço elevado, estimulou os pescadores a apostar no polvo e nos anos 2000 a pesca de pote aumentou a captura vertiginos­amente: potes de plástico são revestidos por cimento e jogados ao fundo do mar presos a linhas. O método não requer isca e é eficiente na captura dos polvos. Nessa época o polvo era barato, cerca de R$ 15 o quilo.

Pescador e fornecedor de pescados, Maicon Alexandrin­o acha que más práticas agra- varam o problema. Ele conta que, em outros tempos, os polvos menores, eram devolvidos ao mar. “Hoje os pescadores não querem saber”, diz.

Adriana Santiago, da banca Atlântica, no Mercadão, notou queda na qualidade . “Antes os polvos considerad­os grandes tinham 3 ou 4 quilos. Hoje, se chegarem a 2 quilos já está bom”, diz.

Como os restaurant­es de Ipe consomem 2,5 toneladas de polvo por mês, qualquer crise de abastecime­nto é sentida rapidament­e. “A gente começou a sofrer com a falta de polvo há mais de cinco anos. Naquela época, o molusco deu uma sumida no verão, momento em que deveria estar superprese­nte” diz. “No meu entender essa crise começou com uma tática dos pescadores para subir os preços que estavam baixos, quando a demanda aumentou”, afirma Ipe. Esse sustinho quase dobrou o preço do polvo, que subiu de R$ 17 para R$ 40, em 2011. “A gente se antecipou e passou a comprar polvo importado”, conta o restaurate­ur. Como comprava muito bacalhau de empresas portuguesa­s, passou a incluir o polvo no pedido. Hoje, quase 100% do polvo de Ipe é importado.

Legislação. Acácio Tomás, oceanógraf­o e membro do Instituto de Pesca de São Paulo, conta que colaborou com o Governo Federal na elaboração da legislação de permissão e controle dessa atividade no início dos anos 2000. Para ele, o problema é generaliza­do no País, e falta uma política pesqueira e fiscalizaç­ão mais efetiva, pois as regras já existem, entre elas a proibição da pesca de fêmeas no período reprodutiv­o, o limite para o licenciame­nto de barcos, o estabeleci­mento de um tamanho mínimo de 110 cm de manto para captura do polvo e o limite para a área de pesca, abaixo de 70 m de profundida­de.

Coordenado­ra do Departamen­to de Planejamen­to e Ordenament­o da Pesca da Secretaria de Aquicultur­a e Pesca, parte do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Elielma Borcem diz que não tem conhecimen­to da crise do polvo. O Ibama, órgão responsáve­l pela fiscalizaç­ão, afirma que não faz qualquer tipo de ação específica para o molusco.

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