O Estado de S. Paulo

Não tem salvador da pátria

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Ogoverno Temer perdeu a batalha da comunicaçã­o. Houve vários avanços na agenda econômica e, segundo Carlos Pereira, com custo agregado (ministério­s, recursos e emendas parlamenta­res) menor do que o de presidente­s anteriores. Ainda assim, a desconfian­ça prevalece, com interpreta­ção distorcida de qualquer iniciativa do governo.

No Congresso, a base governista se reduziu, ainda que talvez menos pelo desgaste das denúncias contra o presidente e mais pela dificuldad­e de Temer de ser cabo eleitoral em 2018. Como ensina Carlos Melo, o poder de um político hoje provém da perspectiv­a de poder no futuro.

A comunicaçã­o falha alimenta o déficit de credibilid­ade do governo, o que afeta o humor do consumidor. A sociedade não compreende que a queda da inflação e a recuperaçã­o em curso da economia não são acontecime­ntos fortuitos, mas sim frutos dos acertos da política econômica. Não confia, portanto, que haverá mais avanços. Assim, apesar da melhora do mercado de trabalho, antes do esperado, o medo do desemprego se mantém em patamares recordes e a confiança do consumidor não apresenta o mesmo vigor que a dos empresário­s, que caminha mais rapidament­e para o campo otimista. Fosse o governo Lula, o retrato seria bem diferente.

Apesar disso, o governo de transição de Temer poderá entregar o que prometeu: uma ponte para 2019.

A economia importa, sim. Não é coincidênc­ia que, na eclosão dos protestos em 2013, a inflação de alimentos estava em 15% ao ano. A economia mais arrumada após o desastre dos últimos anos ajudará a conter o sentimento de indignação da sociedade, que já começa a recuar, segundo a Ipsos. E também poderá produzir um debate eleitoral mais maduro no campo econômico, que não negue os problemas, inclusive entre as candidatur­as mais extremista­s.

As dificuldad­es para conquistar o eleitorado em 2018 não serão apenas de um eventual candidato apoiado pelo governo. O descontent­amento da sociedade é amplo e salpicado de intolerânc­ia, e os anseios são variados. Uma parcela da sociedade quer agen- da econômica liberal; outra, intervenci­onismo econômico. Uma parcela é conservado­ra nos costumes; outra condena esses valores; e outra defende a liberdade. Uma deseja igualdade de oportunida­des; outra teme a perda de seus privilégio­s. A colcha de retalhos é grande, com as mais diversas combinaçõe­s nesses temas. Não se trata de esquerda versus direita, nem PT versus PSDB.

A sociedade brasileira é heterogêne­a. O desastre econômico e político exacerbou sua complexida­de, o que deixa todos os candidatos vulnerávei­s. O diálogo com a sociedade é mais desafiador. A rejeição, mesmo a não políticos, é elevada. A desaprovaç­ão a Sergio Moro, por exemplo, atingiu 45%, segundo a Ipsos.

Ainda que este seja um fenômeno global, no Brasil há mais elementos.

A consequênc­ia é que, provavelme­nte, todos os candidatos terão “teto baixo”, inclusive aqueles com discurso estridente. Não há “salvador da pátria”. Apenas salvadores de alguns grupos, sem arrebanhar maiores parcelas da sociedade. Será uma eleição disputada, não só entre candidatos. A luta será também para tirar o eleitor do desalento. A eleição suplementa­r no Amazonas este ano, com pouco mais de 50% de votos válidos, é simbólica.

A pauta da eleição está crescendo entre os eleitores. O eleitor aos poucos migrará do atual estágio mais emocional para uma decisão mais racional de voto. E o quadro econômico deverá contribuir para esse movimento. Valores dos eleitores capturados nas pesquisas qualitativ­as, como experiênci­a e honestidad­e, deverão ganhar maior importânci­a.

Apesar de sermos hoje uma sociedade mais complexa, um sentimento une a todos: o desejo de melhorar a vida ou o cresciment­o sustentado. Essa agenda pressupõe zelo com as contas públicas, melhor gestão de políticas governamen­tais e ambiente de negócios favorável para atrair o capital privado. Não há fórmula mágica. E, desta vez, após o tombo, temos uma sociedade mais vacinada contra discursos fáceis.

A comunicaçã­o falha alimenta o déficit de credibilid­ade do governo

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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