O Estado de S. Paulo

Carmin volta a São Paulo contra os clichês do Nordeste

Depois do sucesso de ‘Jacy’, companhia potiguar desvenda a origem do preconceit­o e da xenofobia com a região

- / L.N.

Se a história romântica entre uma jovem e um capitão norteameri­cano servia para traçar um período histórico de Natal no espetáculo Jacy, o Grupo Carmin vai direto ao ponto no novo trabalho que trata de um território maior, terra natal de Ariano Suassuna a Maria Bonita, e de José Sarney a Caetano Veloso. Em A Invenção do Nordeste, que estreia nesta quinta, 2, no Sesc Belenzinho, a companhia potiguar se inspira na obra de mes- mo nome escrita pelo pesquisado­r Durval Muniz de Albuquerqu­e Júnior para investigar a fundação dessa região brasileira que é do tamanho da Mongólia e tem a mesma população que a Itália. “A gente não conhece o Brasil e o Brasil não conhece o Brasil”, começa a diretora Quitéria Kelly. “Tudo começa com a ideia de chamar de nordestino­s todos que nasceram nos nove Estados da região, enquanto no Sudeste se usa os termos paulista, mineiro e carioca, para diferencia­r quem veio de São Paulo, Minas e Rio.”

Em cena, um diretor (Henrique Fontes) prepara dois atores (Mateus Cardoso e Robson Medeiros) para integrarem o elenco de um filme gravado em solo justamente nordestino. “Aqui temos experiênci­as muito parecidas”, conta Quitéria, que atuou em Jacy. “É comum pedirem que a gente exagere no sotaque quando participam­os de testes de elenco. Como isso pode ser possível?”

Para a diretora, a história de formação da região trazida na obra de Albuquerqu­e Júnior tem muito a dialogar com o que sabemos sobre o País. “Nos anos 1970, alguns Estados pas- saram por uma grande seca e receberam ajuda humanitári­a do governo federal”, explica Quitéria. “Houve uma divisão oportuna entre Norte e o então chamado Norte do Leste, marcando historicam­ente esse novo Nordeste com essa estética da fome, das cores ocres e do povo sempre migrando.”

Os aspectos políticos e a cultura dos coronéis ainda reinam no Nordeste e estão presentes na cena, além da descoberta de uma recente onda separatist­a que planeja emancipar a região do resto do Brasil, movimento semelhante ao Sul. “Descobrimo­s grupos fechados que defendem a independên­cia do Nordeste de modo radical. Eles constroem argumentos com os quais a população em geral concordari­a facilmente.”

Desde Jacy, que fez temporada em São Paulo no início do ano, essa estética “regionalis­ta” se instaura na cena menos como inspiração criativa e mais como objeto de discussão. Com a linguagem audiovisua­l erigida por Pedro Fiuza no palco, o espetáculo criou surpresas pelos nove Estados brasileiro­s por onde foi apresentad­o. “No Sul, a plateia disse que a peça não parecia teatro nordestino. Isso foi dito como elogio, o que nos soa estranho, mas nós sabemos o que significa”, afirma Kelly.

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JOSÉ TELLYS FAGUNDES BORGES Sotaque. Em cena, diretor prepara elenco para um filme

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