O Estado de S. Paulo

Terapia em casa

Psicólogo visita paciente, um serviço que ajudou a tratar Casagrande.

- Valéria França ESPECIAL PARA O ESTADO

O estudante João Pedro Marinho, de 19 anos, chegou em casa no fim da tarde e encontrou o irmão, Guilherme, de 12 anos, em uma situação que o deixou alarmado. Ele jogava videogame com um adulto completame­nte estranho e não havia mais ninguém no apartament­o. Assustadís­simo, pensou em chamar a polícia, mas antes telefonou para a mãe, Sandra Marinho, que estava no trabalho. Ela riu e explicou: “Calma. Seu irmão está com um AT (Acompanhan­te Terapêutic­o)”.

Poucos meses antes, nem mesmo Sandra tinha ouvido falar nesse tipo de serviço. O profission­al vai à casa do paciente e, muitas vezes, o acompanha a locais públicos – como parques, restaurant­es e baladas – com o objetivo de dar suporte psicológic­o e melhorar as habilidade­s sociais. Diferentem­ente da tradiciona­l terapia no divã, que analisa problemas com base em relatos, o AT mergulha no universo individual do paciente, participan­do do cotidiano.

A prática, apesar de ser desconheci­da de muitos, vem se populariza­ndo a ponto de ter chegado à teledramat­urgia. Na novela Pega Pega, da TV Globo, um AT que entrou na trama para ajudar a adolescent­e Bebeth a superar o trauma da morte da mãe. No dia da primeira sessão, ele convida a jovem para um passeio de bike, o que a surpreende muito. Mas é justamente essa postura de “amigo” que ajudou, na novela, Bebeth – assim como Guilherme, na vida real – a estabelece­r um vínculo mais rápido com o terapeuta.

Faz três anos que Guilherme tem o apoio de Filipe Colombini, de 32 anos, coordenado­r da Equipe AT, um grupo paulistano com 40 profission­ais. “Ele entende o que eu falo. Entende os meus pontos de vista sobre um determinad­o jogo, por exemplo. É meu brother”, conta Guilherme, agora com 15 anos. Quais foram os avanços na vida do garoto nesse período? “Aprendi a estudar e também fiquei mais sociável. Sempre fui muito fechado”, diz o jovem, que chegou a organizar em casa, com a ajuda de Colombini, um campeonato de games.

A facilidade do serviço domiciliar também ajudou muito a proliferar a quantidade de ATs para o público mais jovem. “Eu trabalho o dia inteiro. O deslocamen­to para levar e trazer os filhos complica muito a vida. O AT é uma comodidade, além de ser eficiente”, diz Sandra.

De acordo com a psicóloga Andrea Vianna, “o excesso de atividades a que, hoje, os jovens são submetidos, provocou o aumento de depressão e pânico nesse grupo”. Ela é uma das coordenado­res do curso de Acompanham­ento Terapêutic­o do Programa Ansiedade do Instituto de Psiquiatri­a do Hospital das Clínicas em São Paulo.

“O AT não substitui a terapia convencion­al. É uma indicação clínica para quem precisa de uma intervençã­o no cotidiano”, explica o psicanalis­ta Ricardo Gomides.

Equilíbrio. A populariza­ção do AT também se deve à propaganda feita pelos próprios pacientes. Entre eles, está o ex-jogador de futebol e comentaris­ta Walter Casagrande Júnior, de

54 anos, autor de Casagrande e Seus Demônios, livro de 2014 em que conta sua luta contra o vício em drogas, escrito em parceria com Gilvan Ribeiro. Nas palestras, Casagrande reforça a importânci­a do AT para seu equilíbrio. “Geralmente faço três sessões por semana com três profission­ais que se revezam nos meus atendiment­os”, conta. “Quando minha namorada e meu filho não estão por aqui, saio com os ATs. Vamos ao cinema, jantamos fora, e aproveito para fazer a terapia.”

No início do tratamento, segundo ele, os ATs ajudaram a reconhecer que em alguns locais a vontade de experiment­ar um chope, por exemplo, surgiria, mas que também desaparece­ria no momento seguinte. Essa foi uma das técnicas de reinserção social passada ao ex-atleta. “Prefiro sair com os ATs porque sei que não terão atitude fora do padrão ou que me coloque em risco”, diz Casagrande.

“Eu sofria de fobia social. Não saía mais de casa e havia desistido dos estudos”, conta Mário Henrique, de 25 anos, que também recorreu ao serviço. No início do atendiment­o, o AT e o paciente estabelece­m um projeto. O jovem fez supletivo, entrou no curso de Engenharia e fez amigos. “Minha vida mudou muito e para melhor.”

 ?? FELIPE RAU/ESTADÃO ??
FELIPE RAU/ESTADÃO
 ?? DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO ?? Apoio. Sandra Marinho contratou serviço do tipo para auxiliar o filho Guilherme, de 15 anos
DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Apoio. Sandra Marinho contratou serviço do tipo para auxiliar o filho Guilherme, de 15 anos
 ?? FELIPE RAU/ESTADÃO-7/9/2017 ?? Força. Ex-jogador faz três sessões por semana.
FELIPE RAU/ESTADÃO-7/9/2017 Força. Ex-jogador faz três sessões por semana.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil