O Estado de S. Paulo

A mídia dos sonhos de Lula

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Nãoé democrata quem pretende, como anunciou Lula em discurso, “fazer a regulação dos órgãos de imprensa”.

NOTAS & INFORMAÇÕE­S

Não se pode dizer que Lula da Silva não tente, com córnea obstinação, parecer um democrata. Em sua campanha eleitoral antecipada, o ex-presidente costuma dizer, por exemplo, que, quando perdia alguma eleição, voltava “quieto para casa”, isto é, teria sempre aceitado o resultado com resignação democrátic­a. Em seus discursos, também levanta a voz para defender o que chama de “estado de direito”, que em sua opinião estaria em risco no País, e o maior exemplo dessa ameaça seria a “perseguiçã­o política” de que se diz vítima, sem falar no alegado “golpe” contra sua pupila, a presidente cassada Dilma Rousseff. Na segunda-feira passada, chegou a dizer que vai “trazer a democracia de volta para este país”. Quem o ouve falar, portanto, pode até imaginar que ali, no palanque, está um homem devotado às liberdades.

Mas esse figurino de campeão da democracia não cai bem em um líder político que incita seus seguidores a odiar quem não pertence à patota e quem procura revelar o que ele gostaria de esconder, isto é, a imprensa livre e independen­te. Definitiva­mente, não é democrata quem pretende, como anunciou, “fazer a regulação dos órgãos de imprensa”, um eufemismo nada sutil para um declarado programa de controle estatal dos meios de comunicaçã­o. E Lula, no mesmo discurso em que denunciou o suposto autori- tarismo de seus adversário­s, disse que “a gente ( ele e Dilma) foi muito condescend­ente com os meios de comunicaçã­o” e “a gente não pode permitir que nove famílias continuem dominando a comunicaçã­o e inventando mentiras”.

Com essas declaraçõe­s, Lula revela todo o seu antagonism­o a quem não o venera como a encarnação do “povo”. Mas só se surpreende com esse comportame­nto quem não conhece Lula ou dedica a vida a adulá-lo. Pois o chefão petista sempre manifestou, em palavras e atos, seu menosprezo pelos pilares da democracia, a começar pela liberdade de imprensa.

Como esquecer, por exemplo, que em 2004 o então presidente Lula mandou cassar o visto de trabalho do repórter norte-americano Larry Rohter quando este publicou no New York Times reportagem sobre os supostos hábitos etílicos do petista? Na ocasião, Lula lançou mão de uma lei caracterís­tica do regime militar para considerar “inconvenie­nte” a presença de Rohter em território brasileiro. Ou seja, Lula confundiu sua figura pública com a do Estado, consideran­do a ofensa pessoal um atentado à soberania brasileira. Diante disso, não titubeou em atacar o jornalista e seu jornal, deixando claro, a quem interessar pudesse, que ele e a máquina estatal sob seu comando não tolerariam mais que jornalista­s estrangeir­os se dessem a liberdade de escrever o que bem entendesse­m, embora essa liberdade estivesse inscrita, em caráter permanente, na Constituiç­ão que Lula jurou respeitar.

Esse não foi um episódio isolado. Em 2006, o governo de Lula patrocinou a proposta de criação de um “Conselho Federal de Jornalismo”, cujo objetivo era “orientar, disciplina­r e fiscalizar” o exercício da profissão de jornalista. A proposta foi prontament­e rechaçada por diversos setores da sociedade em razão da óbvia tentativa de cerceament­o da livre manifestaç­ão do pensamento.

Também sob o governo Lula, ministros chegaram a elaborar um projeto de regulação das comunicaçõ­es que, além do necessário marco regulatóri­o da propriedad­e e do funcioname­nto técnico do setor, previa o “controle social” da mídia, um nome que mal disfarçava a intenção de vigiar o conteúdo veiculado por meios independen­tes. A isso os petistas deram o nome de “democratiz­ação dos meios de comunicaçã­o”, e foi isso o que Lula agora diz lamentar não ter feito quando teve a oportunida­de.

Para Lula, a responsabi­lidade pelo calvário petista – que inclui a prisão de vários dirigentes por corrupção, a condenação do próprio ex-presidente e o impeachmen­t de Dilma Rousseff por crime de responsabi­lidade – recai em primeiro lugar na imprensa, que insiste em noticiar os escândalos em que os petistas teimam em se meter. No mundo ideal de Lula, portanto, imprensa boa é imprensa subservien­te ou simplesmen­te muda.

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