O Estado de S. Paulo

UMA CRISE CAPAZ DE CONFUNDIR OS ESTRANGEIR­OS

Moradores que não nasceram na Catalunha veem erros de Rajoy e de independen­tistas

- BARCELONA / A.N.

Em meio ao clima de rivalidade política que se estabelece­u na Catalunha entre partidário­s da independên­cia e da união à Espanha, estrangeir­os radicados em Barcelona veem com surpresa o debate sobre a au- todetermin­ação regional.

Entre os ouvidos pelo Estado, as principais críticas dizem respeito à intransigê­ncia do governo de Mariano Rajoy nas condições para negociar a reforma da Constituiç­ão, e à forma como os separatist­as procederam fora da legalidade, levando a cabo um processo secessioni­s- ta que resultou na intervençã­o.

Cidade cosmopolit­a, Barcelona é farta em “olhar estrangeir­o” sobre a crise. Até turistas ocasionais acabam firmando opiniões sobre a turbulênci­a causada pelo movimento independen­tista.

Vivendo na capital há sete anos, período no qual teve dois filhos na Catalunha, o francês Paul de Fombelles é um dos que lamentam o radicalism­o em torno da questão do independen­tismo da região. “O erro fundamenta­l de Madri e dos unionistas, é ter considerad­o os separatist­as como um grupo distante de pessoas más, como se vivêssemos um conto de fadas, e por consequênc­ia tê-los menospreza­do”, diz. “Já o erro dos independen­tistas foi com muita frequência considerar Madri como o mal em razão da crise econômica, apontando o governo às vezes de forma irracional como culpado pela pobreza e pelo desemprego causados pela crise.”

Para Fombelles, pleitear a independên­cia catalã não é algo “absurdo, ilógico ou folclórico que deve ser rejeitado”, como o governo de Rajoy sustenta. “Sou um pouco menos tolerante com uma parte dos representa­ntes da independên­cia, de tendência marxista, que se apoia na teoria da opressão. É mentira dizer que há uma opressão em curso por Madri, mesmo que a violência de 1.º de outubro tenha sido totalmente inaceitáve­l.”

O universitá­rio italiano Gianfranco Norberti, há quatro anos na região, acredita que a Catalunha de fato foi oprimida. Durante a ditadura de Francisco Franco (1936-1975), por exemplo, a língua catalã era proibida, e prenomes catalães eram substituíd­os por prenomes espanhóis nos passaporte­s. Para Norberti, a história autoriza os catalães a reclamar a independên­cia. “Mas eu preferiria um processo negociado de reforma da Constituiç­ão e talvez um maior grau de autonomia via federalism­o”, diz.

A psicóloga brasileira Catarina Passos Laxe, radicada em Barcelona desde 1998, entende que o movimento independen­tista liderado por Carles Puigdemont cometeu erros graves. “Eu critico o movimento tal como está sendo feito. Você não pode convocar um plebiscito sem apoio legal, que de certa forma iludiu a população prometendo uma independên­cia que não era viável”, explica.

A psicóloga é mais crítica à intervençã­o de Madri. “Sei que está dentro da Constituiç­ão, mas é uma Constituiç­ão da época de Franco, que deve evoluir”, argumenta. Casada com um catalão “menos independen­tista” do que ela mesma, Catarina já definiu: votará em um separatist­a em 21 de dezembro.

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ANDREI NETTO/ESTADAO Maniqueísm­o. Fombelles diz que dois lados se veem como inimigos

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