O Estado de S. Paulo

‘Privatizar por necessidad­e de fazer caixa é ruim’

Vencedor do Nobel de Economia defende alta de impostos dos mais ricos para reduzir rombo nas contas públicas

- Luciana Dyniewicz

O britânico Oliver Hart recebeu o Prêmio Nobel de Economia, em 2016, por suas colaboraçõ­es à teoria dos contratos. Seus estudos apontam que privatizaç­ões podem não ser benéficas em alguns casos, como o de prisões de segurança máxima, porque os contratos firmados entre governo e empresa são incompleto­s, apresentan­do lacunas que permitem às empresas reduzirem os investimen­tos em prol de lucro maior.

Em entrevista ao Estado por telefone, o professor de Harvard diz ser “cético em uma privatizaç­ão motivada pela necessidad­e de caixa” do governo, como no caso da Eletrobrás, e defende a elevação de impostos (e não o corte de gastos dos governo) como principal medida para redução de déficit fiscal – o que, admite, não é uma “posição popular”.

• O governo brasileiro planeja privatizar a maior estatal elétrica do País, a Eletrobrás. A empresa tem prejuízo e há a intenção de o governo fazer caixa com a operação para reduzir o déficit fiscal. Como o sr. vê uma privatizaç­ão com esse pano de fundo?

Não sou conhecedor da situação brasileira, então só posso falar de uma forma generaliza­da. Sou cético em relação a uma privatizaç­ão motivada pela necessidad­e de caixa. O principal argumento para privatizar deve ser que a empresa pode funcionar de forma mais eficiente. Esse é o lado bom de uma privatizaç­ão. O ruim é que a empresa pode não funcionar para atender o interesse público e usar seu poder de monopólio para aumentar preços, assumindo que essa é uma empresa enorme. A companhia privada persegue lucros mais do que qualquer coisa.

• Com base nessa situação, o que o governo deve levar em conta na elaboração do contrato de licitação?

Há coisas que o governo pode fazer no campo da regulament­ação, é assim que acontece nos Estados Unidos, mas não sei quão efetiva a regulament­ação é – essa é sempre uma pergunta a ser feita. A regulament­ação é como um contrato em que o governo pode dizer como os preços devem se comportar. Esse é um modo de evitar problemas de monopólio.

• Em um de seus artigos, o sr. diz que, em caso de um banco ir à falência, o Estado deve se preocupar em ‘resgatar’ indivíduos, e não bancos. No Brasil, o governo estuda permitir que o Tesouro Nacional injete dinheiro em bancos em dificuldad­e. Como o sr. vê a proposta?

O ideal é, se o banco está com problemas, você ter certeza de que os consumidor­es estão bem. Não é salvar o banco, mas os depositant­es. Mas bancos têm muitos credores: têm os consumidor­es e os bondholder­s. Esses últimos, não tem de salvar. Porque, se as pessoas fazem investimen­tos e sabem que o governo sempre vai fazer o resgate quando necessário, elas têm incentivo a não serem cuidadosas e o banco tem incentivos para tomar riscos de forma excessiva. Para mim, se essas instituiçõ­es têm ciência de que o governo fará o resgate, então você precisará de um mercado mais regulado (que impeça grandes riscos).

• O sr. acha que os resgates feitos pelo governo americano durante a crise de 2008 foram completame­nte errados? Completame­nte errado talvez seja muito forte. Não sabemos o que teria acontecido se o resgate não tivesse sido feito. Muita gente acha que isso foi ótimo e salvou o sistema, mas eu sou cético. Minha análise é que o resgate gerou raiva e houve quem sentiu que pessoas ricas estavam sendo ajudadas e pobres, não. Isso é um dos fatos que fizeram com que o populismo aumentasse nos EUA. Primeiro veio o Tea Party e, depois, a eleição de Donald Trump.

• Antes de Trump ser eleito, o sr. afirmou que ele poderia ser um desastre para economia. Como vê o governo Trump hoje?

Tem sido um desastre para os Estados Unidos e para o mundo, mas, em relação à econo- mia, pouca coisa aconteceu. De certo modo, é surpreende­nte: as bolsas estão indo bem e o desemprego está baixo, mas acho que isso é uma continuaçã­o do que fizemos antes (no governo de Barack Obama). A bolsa pode estar indo bem em parte porque as pessoas esperam menos regulament­ação e talvez impostos corporativ­os mais baixos. Mas, em termos gerais, o governo Trump é terrível. Não falo só de economia. O presidente parece ser capaz de começar uma guerra nuclear, o que é aterroriza­nte. Tem também a saída dos EUA do acordo de Paris e ele talvez cancele o Nafta (Acordo de Libre Comércio da América do Norte). Se isso acontecer, haverá um impacto negativo na economia americana. Mas, até agora, o que ele mais fez foram discursos inflamatór­ios que pioraram a atmosfera no país.

• Como o sr. vê a equipe econômica de Trump. Por exemplo, como o conselheir­o econômico Gary Cohn tem se saído?

Acho, em geral, a equipe muito fraca. Não quero falar de alguém em particular.

• Mas é um time fraco tomando decisões equivocada­s?

Tem muita falação, mas eles estão caminhando em direção ao protecioni­smo. Isso ainda não aconteceu, mas parece ser o plano deles. Dei o exemplo do Nafta. Isso para mim, vai na direção errada. Restrições para exportar e importar reduzem o produto agregado.

• O sr. já afirmou que as políticas de Trump poderiam resultar no aumento do déficit fiscal e da desigualda­de. O déficit brasileiro está aumentando, qual a melhor política para reduzi-lo: aumentar impostos ou cortar gastos do governo?

Sou a favor de aumentar impostos, o que não é uma posição popular. Não todos os impostos. Não sou contra a redução dos impostos corporativ­os, mas sou a favor de impostos de renda mais altos. Para reduzir déficit e desigualda­de, precisamos de impostos mais altos para os ricos. Acho que alguns gastos do governo são importante­s, como em infraestru­tura. Mas os governos precisam ter cuidado para não acabar só colocando um monte de dinheiro no setor privado. É preciso ter certeza de que, quando se faz o contrato com a empresa, foi feito por bom preço.

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MARY SCHWALM/REUTERS-10/10/2016 Avaliação. Hart classifica governo de Donald Trump como desastroso para os EUA

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