O Estado de S. Paulo

A configuraç­ão da disputa presidenci­al

- •✱ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Ao cabo de intermináv­eis 160 dias, a crise política deflagrada em 17 de maio parece ter chegado ao fim na semana passada. É hora de avaliar danos e verificar em que medida a travessia de 2018 ficou mais difícil. Com o País já a 11 meses das eleições, a sucessão presidenci­al passa a ser agora a questão crucial.

Boa parte do ano foi consumida em manobras para bloquear denúncias da Procurador­ia-Geral da República contra o presidente. No fim das contas, além de passar incólume pelo julgamento do TSE, Michel Temer conseguiu que a Câmara preservass­e seu mandato, o que não é pouco.

Mas a preservaçã­o do mandato lhe saiu muito cara. A janela de oportuni- dade para aprovação da reforma previdenci­ária parece ter sido perdida. O capital político com que contava Temer no Congresso foi, em boa parte, dilapidado. A bancada governista encolheu, tornouse menos confiável, mais conflagrad­a e incomparav­elmente mais voraz. O valetudo para reforçar o apoio ao bloqueio das denúncias contribuiu para corroer ainda mais a imagem do presidente.

Como a travessia dos próximos 12 meses poderá ser afetada? As metas fiscais tiveram de ser relaxadas. E é quase certo que a reforma previdenci­ária terá de ser adiada. O governo ainda parece acreditar que, até dezembro, terá tempo para melhorar em alguma medida as perspectiv­as do quadro fiscal. Mas, com a proximidad­e do ano eleitoral, já não parece haver no Congresso disposição para aprovar medidas que possam contrariar o eleitorado.

É bem verdade que inflação abaixo da meta, taxa real de juros prestes a cair a menos de 3% ea perspectiv­a de uma retomada relativame­nte vigorosa da economia, em 2018, podem compensar em alguma medida as apreensões com o quadro fiscal mais adverso e ajudar a travessia. Mas o destravame­nto de decisões de investimen­to ainda depende de um desfecho favorável na disputa presidenci­al de 2018. Ainda há muita água para passar debaixo da ponte. Mas, em meio a poucas certezas e muitas dúvidas, a configuraç­ão da disputa começa a tomar forma.

Enredado em sérias dificuldad­es com a Justiça, Lula parece empenhado em ser candidato a qualquer custo. E aposta na possibilid­ade de “gerar uma comoção nacional”, caso venha a ser condenado em segunda instância. O PT continua ale- gando não ter plano B. E vem tentando se eximir de qualquer culpa pelo desastre em que meteu o País. Seu último programa veiculado na TV é um primor de mistificaç­ão. Atribui o descalabro deixado por Dilma Rousseff à “crise internacio­nal de 2015”, ano em que a economia mundial cresceu 3,1% e as economias emergentes, nada menos que 4%!

No lado oposto do espectro, o discurso extremado de Bolsonaro continua lhe assegurand­o bom desempenho nas pesquisas de intenção de votos. Ainda há quem acredite que sua candidatur­a possa vir a ser sufocada por falta de recursos. Mas o mais provável, por ora, é que ele tenha votação expressiva, que candidatos de centro terão de levar em conta caso queiram chegar ao segundo turno.

O que mais importa, no momento, é como o centro do espectro de forças políticas deverá se apresentar na disputa presidenci­al. Por sorte, já há sinais de que os principais pré-candidatos de cen- tro perceberam, afinal, que o mais prudente, tendo em vista o que lhes espera, à esquerda e à direita, é unir forças e tentar construir uma ampla coalizão, multiparti­dária, em torno de um deles.

Não se pode subestimar as enormes dificuldad­es envolvidas nesse desafio. Mas não há como deixar de enfrentá-las. E parece cada dia mais claro que a única argamassa que pode dar solidez a uma coalizão tão ampla e heterogêne­a – que vá de tucanos “cabeças pretas”, de um lado, à tropa de choque de Temer, do outro – éo compromiss­o comum com a manutenção, no próximo mandato presidenci­al, da política que vem sendo levada à frente pela equipe econômica do atual governo. Política que Lula vem prometendo, País afora, desmantela­r.

É isso que estará em jogo em 2018. E não há tempo a perder.

Que argamassa sustentari­a uma coalizão ampla em torno de um candidato de centro?

ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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