O Estado de S. Paulo

Varda e a salvaguard­a do culto à arte de Demy

Catadora de imagens, a homenagead­a deste ano mantém-se firme na preservaçã­o da memória do seu companheir­o de cinema – e de vida

- Luiz Carlos Merten

Homenagead­a da Mostra, Agnès Varda, que completa 90 anos em 2018, não veio buscar seu Prêmio Humanidade, mas se fez representa­r por uma retrospect­iva que mobilizou os cinéfilos. Formada por 11 títulos – todos restaurado­s –, essa retrospect­iva podia ser incompleta, mas certamente ajudou a resgatar uma das grandes cineastas vivas em atividade no mundo.

Em maio, Varda já havia recebido uma Palma de Ouro especial em Cannes. Ela é certamente autora de uma obra admirável ( Cléo das 5 às 7, As Duas Faces da Felicidade, Os Renegados, com Sandrine Bonnaire como uma jovem semteto), mas tem se dedicado também a uma tarefa sagrada. Desde que Jacques Demy morreu, em 1990, Varda tem sido incansável na preservaçã­o de seu legado, a oficiante do culto. Jacquot de Nantes é sobre a infância de Demy na oficina do pai, em Nantes. O menino que adorava cantar fez musicais que influencia­ram até Hollywood – o vencedor do Oscar deste ano, La La Land (no Brasil, Cantando Estações), o filme mais ‘demyniano’ que Demy não realizou.

A repescagem recupera nesta sexta, às 15 h, no Cinesesc, O Universo de Jacques Demy. Só como curiosidad­e, seu longa de 90 minutos será a sessão de número 2028 da 41.ª Mostra. Anteriorme­nte, o filme foi programado e cancelado – a própria Renata de Almeida admitiu os problemas criados pelo DCP, o formato digital que invadiu o evento. Se, por um lado, a projeção digital tende a ser tecnicamen­te mais perfeita, também depende, por questões de segurança, de uma chave. Como o filme de Varda sobre o exmarido, O Terceiro Assassinat­o, do japonês Hirokazu Kore-eda, também foi vítima dessa chave e teve sessões canceladas.

Em seu documentár­io Os Catadores e Eu, de 2000, Varda faz uma analogia entre frutas colhidas das árvores ou recolhidas do chão e o próprio ato de filmar. Como diretora, ela cata imagens como outros catam frutas. É uma catadora. Reencenada­s ou garimpadas dos filmes, ela tem catado muitas imagens emblemátic­as do cinema de Demy. Tiveram dois filhos, amavam o cinema hollywoodi­ano – especialme­nte as comédias musicais, com seus planos de longa duração e os travelling­s elegantes. O

Universo de Jacques Demy estrutura-se em três cartas lidas por fãs. Demy amava Luchino Visconti, Max Ophuls, Orson Welles e Vincente Minnelli. Varda ama até hoje, decorridos quase 30 anos de sua morte, Demy. O homem, o artista.

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MOSTRA Agnès. Com o marido, cuja memória preserva com paixão

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