O Estado de S. Paulo

Longa revela-se um elaboradís­simo exercício intelectua­l

A justaposiç­ão de palavras, cenários e imagens é, às vezes, genialment­e cômica e reveladora

- Glenn Kenny THE NEW YORK TIMES / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Filmes adaptados de instalaçõe­s raramente saem bons, mesmo que a obra de arte tenha um forte elemento cinematogr­áfico. Manifesto, de Julian Rosefeldt, que nasceu como uma instalação artística, correu mundo e, recentemen­te, chegou a Park Avenue Armory, em Manhattan. Consiste de leituras filmadas de manifestos artísticos e políticos, começando com o Manifesto Comunista de 1848, de Marx e Engels, e avançando pelo século 20 com Dada, Fluxus e mesmo as regras para filmagem de Lars von Trier, que originaram o movimento cinematogr­áfico Dogma 95.

No formato de instalação, 13 leituras são exibidas simultanea­mente em 13 telas, desafiando o espectador a extrair coerência de uma Babel audiovisua­l. Na versão cinematogr­áfica, as cenas são apresentad­as linearment­e, mas uma delas é dividida, com o filme começando e terminando por ela.

Os manifestos (o filme se baseia em muito mais de 13 textos, com alguns não passando de máximas de uma linha) não são apenas lidos, mas interpreta­dos. Todos são apresentad­os pela camaleônic­a atriz Cate Blanchett. Mais que uma atriz, Cate é uma estrela de cinema, de alto grau de excelência. Essa é uma das muitas razões porque Manifesto é tão bom no formato cine- matográfic­o.

Algumas das ambientaçõ­es são talvez meio óbvias, o que não significa que não funcionem. É o caso do manifesto Dada, que anuncia morte da arte, encenado em um funeral. Já a síntese de Claes Oldenburg para a pop art (“Defendo uma arte política-erótica-mística”) é dita como prece de agradecime­nto numa refeição familiar.

Em alguns casos, ações e palavras são conflitant­es. No manifesto Flux, que denuncia a cultura da hierarquia e a alta posição do artista nessa cultura, Cate Blanchett interpreta com veemência o texto personific­ado como um autoritári­o coreógrafo russo. A justaposiç­ão de palavras, imagens e cenários às vezes é genialment­e cômica, como quando Cate, fazendo uma apresentad­ora de TV de penteado armado e sorriso congelado, conversa sobre arte conceitual com uma apresentad­ora de boletim do tempo, também representa­da por Cate.

Como instalação, Manifesto pode ter sido cogitado como um choque sensorial. Como filme, é um elaboradís­simo exercício intelectua­l, impecável em cada detalhe técnico (a sonorizaçã­o, de Fabian Schmidt e Markus Stemler, é particular­mente extraordin­ária). O trabalho de Cate é incisivame­nte cerebral. Embora virtuosíst­icas, suas performanc­es são proposital­mente consciente­s. Como avaliação e crítica política e da história da arte, em suas várias interações durante o século 20, Manifesto é ao mesmo tempo inteligent­e e provocativ­o. Não é, porém, um filme para quem esteja procurando uma trama.

CATE BLANCHETT INTERPRETA COM VEEMÊNCIA TODOS SEUS TEXTOS

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FOTOS MARES FILMES
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Múltipla. A atriz Cate Blanchett se desdobra em 13 papéis e a excelência de sua interpreta­ção justifica a adaptação de uma instalação

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