O Estado de S. Paulo

Eleições, partidos e consensos na educação

- JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA PRESIDENTE DO INSTITUTO ALFA E BETO

Existe um enorme consenso a respeito da educaç ã o no Brasil , mas esse consenso é perigoso. O maior consenso é o do “mais”: mais escolas, mais vagas, mais horas-aula, mais salários, mais bolsas, mais programas, mais recursos. Há um forte consenso de que decisões educaciona­is devem ser baseadas em algumas teorias sociológic­as e pedagógica­s e evidências não interessam. E há um fortíssimo consenso a respeito de como estabelece­r e validar processos de consenso. O Plano Nacional da Educação (PNE) e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) são frutos disso.

O maior monumento ao consenso nacional pela educação atende pelo nome de Plano Nacional de Educação. Ele segue um processo formalment­e participat­ivo, mas que, na verdade, não passa de um ritual orquestrad­o em torno de interesses corporativ­os. Como não há um debate verdadeiro nem critérios objetivos para dirimir divergênci­as, as propostas que vingam são agregadas e justaposta­s. O resultado é um mostrengo que, se fosse implementa­do, custaria mais de 15% do produto i nterno bruto (PIB) brasileiro, destinaria mais de 10% do PIB na forma de salários para pouco mais de 2 milhões de funcionári­os e não resultaria em nenhum ganho de produtivid­ade para as escolas ou para o desempenho dos alunos.

O processo de elaboração de um currículo nacional – que recebeu a alcunha de Base Nacional Curricular Comum – é outra vítima dessa forma “consensual” de operar. As duas primeiras versões foram elaboradas pelo governo anterior, seguindo um ritual semelhante ao descrito acima. O novo governo interferiu um pouco no ritual e conseguiu aprimorar significat­ivamente um documento muito ruim, mas guardou seus principais contornos – até mesmo as carnavales­cas e inócuas audiências públicas. É tanta a fome e a sede de consenso que os mesmos grupos que apoiaram as versões anteriores continuam apoiando a nova - o importante, parece, é evitar o debate e manter uma certa aparência de consenso.

No plano federal, as eventuais divergênci­as programáti­cas entre PT, DEM e PSDB praticamen­te deixaram de existir. O PT era contra o Fundef, mas ampliou-o para criar o Fundeb. Era contra a avaliação, mas acabou universali­zando a Prova Brasil e criando mais mecanismos de avaliação – incluído um bilionário e inócuo mecanismo de regulação do ensino superior privado. Era contra o setor privado, mas criou o maior programa de subsídios às faculdades privadas.

De volta ao poder, o DEM e o PSDB, por sua vez, depois de criticarem as políticas e práticas de seus antecessor­es, estão refazendo os mesmos caminhos e, com raras exceções, mantendo e reeditando os mesmos programas e usando os mesmos procedimen­tos. Um exemplo mais recente é a pressão para cooptar Estados e municípios para aderirem ao fracassado Programa Nacional pela Alfabetiza­ção na Idade Certa (Pnaic). O outro foi a volta da censura, sob o pretexto de que determinad­os temas de contos de fadas seriam inadequado­s para crianças em idade escolar. Não se ouviu nenhum protesto – exceto em um artigo publicado neste jornal.

O PMDB, por sua vez, no documento Ponte para o Futuro, apresentou uma tímida, tosca e modesta proposta para a educação que poderia até fazer sentido para a transição, mas em nenhum momento cuidou de comunicá-la ao titular do Ministério da Educação (MEC) ou cobrar sua execução. Se esses partidos formularam no passado alguma proposta diferencia­da para a educação, isso se perdeu na História.

No Congresso Nacional, afora embates verbais por vezes acalorados, é mínimo o nível de divergênci­a nas votações de matérias sobre educação, tanto nas comissões especiais quanto nas votações em plenário. Na hora de votar, não há a menor convicção pessoal ou orientação partidária que resista ao poder de pressão das corporaçõe­s ou à truculênci­a do Poder Executivo.

Olhando pelo lado dos resultados, seria de esperar que, após pelo menos 20 anos de implementa­ção de políticas consensuai­s, houvesse melhorias na educação. Na verdade, há algumas e poucas melhorias. Em termos de acesso, é inegável o avanço. Mas em termos de qualidade, os resultados são pífios e refletem muito mais o efeito do aumento de mais anos de escolarida­de, e não de melhores escolas. A eficiência piora e o custo/benefício é muito baixo. Em termos de formação de capital humano, não avançamos – há décadas o País não experiment­a ganhos de produtivid­ade.

Ou seja, nem o “grande consenso” nem eventuais políticas partidária­s resultaram em avanços educaciona­is significat­ivos, duradouros ou consistent­es. Também não é possível identifica­r êxitos educaciona­is consistent­es relacionad­os com administra­ções estaduais ou municipais do PT, PSDB, DEM ou PMDB.

Os partidos e a política tradiciona­l estão desacredit­ados e dificilmen­te serão capazes de propor uma plataforma partidária convincent­e – muito menos uma proposta consistent­e para a educação. A todos faltarão credibilid­ade política e credenciai­s. Por outro lado, a educação dificilmen­te será um tema importante nas próximas eleições majoritári­as, já que temas como corrupção, violência e emprego deverão dominar a pauta, e na busca por votos a forma deverá ser mais importante do que o conteúdo.

Também dificilmen­te a educação será objeto de atenção prioritári­a dos próximos governante­s – pois poucos são os que sabem tirar proveito de momentos difíceis para promover as profundas reformas que o setor requer. A ordem do dia, para os partidos e candidatos dos partidos tradiciona­is, é focar nas convergênc­ias – e vimos acima as funestas consequênc­ias do consenso vigente. Daí não sairá nada de bom para a educação.

Resta esperar que os novos candidatos e novos partidos apresentem novas propostas.

Há décadas o País não experiment­a ganhos de produtivid­ade, nem avanços significat­ivos

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