O Estado de S. Paulo

Tucanos amadores

- JOÃO DOMINGOS E-MAIL: JOAODOMING­OS56@GMAIL.COM TWITTER: @JOAODOMING­OS14 JOÃO DOMINGOS É JORNALISTA E ESCREVE AOS SÁBADOS

Ulysses Guimarães e Tancredo Neves costumavam dizer que a política é a arte de construir consensos a partir das divergênci­as. Dessa prática eles fizeram a sua profissão de fé. Na política, enfrentara­m a ditadura, cada um a seu modo, sempre na tentativa de construir o consenso. Tancredo aceitou as regras do regime para acabar com ele. Uniu-se a dissidente­s e venceu a eleição realizada no último Colégio Eleitoral dos militares. Não assumiu a Presidênci­a porque adoeceu e morreu. Mas deixou em seu lugar o vice José Sarney, que seguiu sua orienta- ção e convocou a Assembleia Constituin­te de 1987/88, responsáve­l pela Constituiç­ão atual, a mesma Constituiç­ão que deu a Ulysses a condição política de dizer que tinha “ódio e nojo à ditadura”.

Se estivessem vivos, certamente Ulysses e Tancredo estariam estarrecid­os com o que está acontecend­o com o PSDB. Como é que um partido que tem todas as condições de construir o consenso em torno de um candidato de centro, com possibilid­ade de sair vitorioso na disputa pela sucessão de Michel Temer, pode arrumar uma crise interna grave como a atual, que pode até levar ao primeiro grande racha da legenda?

A impressão que se tem é de que o PSDB é formado por amadores da política, mais preocupado­s com um pequeno detalhe aqui, outro ali, com o que o eleitor do PT pensa dele hoje, do que com o que o eleitor dele pensa sobre o futuro do País.

Duas eleições recentes, uma no Brasil, outra na França, deveriam servir de lição para o PSDB numa hora tão importante quanto a atual. Em primeiro lugar, a eleição para a prefeitura do Rio. O centro político se dividiu em pelo menos quatro candidatur­as. Com isso, os extremos, representa­dos pelo vencedor, Marcelo Crivella, do PRB, e por Marcelo Freixo, do PSOL, passaram para o segundo turno. Caso Pedro Paulo, do PMDB, e Carlos Osório, do PSDB, tivessem se unido, eles poderiam ter chegado a cerca de 25% dos votos, cerca de sete pontos porcentuai­s acima de Freixo. Disputaria­m o segundo turno com Crivella com chances totais de vitória. Como não construíra­m o consenso, ficaram no meio do caminho.

Em segundo lugar, vejamos o exemplo da eleição para presidente da França. Emmanuel Macron, o vitorioso, percebeu logo no primeiro turno que o centro estava esvaziado. Deu um jeito de ocupar o lugar dos partidos tradiciona­is desse campo, entre eles o Socialista, de François Hollande, e o Republican­os, de Nicolas Sarkozy. Ao mesmo tempo que avançava sobre o eleitor de centro, Macron trabalhava para isolar os extremos, comandados por Jean-Luc Mélenchon, da esquerda, e Marine Le Pen, da direita. Passou para o segundo turno com Le Pen, como queria, o que lhe garantiu uma vitória esmagadora.

Se o PSDB fosse um partido formado por profission­ais, e não por figuras vaidosas ocasionais que se arruinaram po- liticament­e por suspeitas de envolvimen­to em escândalos cabeludos, como o senador Aécio Neves (MG), o partido estaria nesse momento trabalhand­o para formar uma grande frente de centro. Com isso, teria todas as chances de isolar eleitoralm­ente o ex-presidente Lula, de um lado, e o deputado Jair Bolsonaro, de outro.

Mas isso não acontece porque o PSDB é um partido sem identidade e sem rumos. Tem quatro ministério­s no governo Michel Temer, mas se envergonha disso. Defende no programa partidário reformas estruturai­s e o equilíbrio fiscal, mas tenta esconder isso do eleitor. Em outras palavras, tenta o estelionat­o eleitoral.

Quem chegou à mais interessan­te conclusão sobre a canoa furada que é o PSDB hoje foi o prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira (SP): “Enquanto não começarmos a remar para o mesmo lado, continuare­mos todos batendo com os remos uns na cabeça dos outros”.

O PSDB é hoje um partido sem identidade e sem rumos, que busca o estelionat­o eleitoral

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