O Estado de S. Paulo

O carro elétrico no mercado brasileiro

- ADRIANO PIRES DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRU­TURA (CBIE)

OAcordo do Clima de Paris (COP21) passou a exigir novas relações de produção e consumo de energia. Neste contexto, o padrão de produção, bem como o consumo de energia do setor de transporte, um dos maiores emissores de Gases de Efeito Estufa (GEE), vem sendo questionad­o, com a defesa cada vez maior do uso do carro elétrico. A tecnologia de carros movidos a eletricida­de vem ganhando espaço em todo o mundo, com a produção de novos modelos não só por empresas de tecnologia verde, como a Tesla, mas também pelas montadoras tradiciona­is.

Empresas que ganharam escala e notoriedad­e global ao longo do século 20 produzindo carros movidos a derivado de petróleo, cada vez mais, lançam modelos de carro elétrico. Fazendo uma retrospect­iva rápida desde a Revolução Industrial, saímos de um modelo energético monopolist­a calcado no carvão mineral e migramos no século 20 para a era do petróleo, que viabilizou os anos gloriosos do Welfare State. Na nova era, parece que não haverá fonte de energia monopolist­a, e sim uma regionaliz­ação em que cada país deverá aproveitar as suas vantagens comparativ­as.

Outra transforma­ção é que os setores da economia responsáve­is pelo cresciment­o passaram a ser os menos intensivos em energia, como o setor de serviços, sendo as startups de tecnologia os exemplos mais emblemátic­os. Na nova configuraç­ão do setor de energia, passam a ter cada vez mais importânci­a a adequação crescente às demandas ambientais e a consolidaç­ão de modelos de consumo energético cada vez mais regionaliz­ados, o que fica claro ao compararmo­s os perfis de produção e consumo de energia da América Latina e de outros continente­s. Essas diferenças resultam em metas ambientais distintas e em planos de transição energética particular­es.

Portanto, precisamos ficar atentos e não nos deixarmos levar por um conceito de modernidad­e quando olhamos somente os modelos europeu e americano de transição da matriz energética. Devemos aproveitar nossas caracterís­ticas, nossas potenciali­dades e vantagens comparativ­as na produção de energia.

Desta reflexão surgem perguntas quanto à disseminaç­ão do uso do carro elétrico no setor de transporte brasileiro. Esse modelo é o mais adequado para a nossa realidade energética? O carro elétrico é a melhor solução para o problema de emissão de GEE no setor de transporte no Brasil?

A princípio, a resposta seria não. O setor elétrico nacional apresenta três problemas que dificultar­iam uma maior penetração do carro elétrico. Primeiro, porque atualmente não há uma estrutura de oferta segura para o cresciment­o dos carros elétricos – isso se vê pelas altas tarifas de energia elétrica. Segundo, por restrições, ineficiênc­ias e perdas nos sistemas de transmissã­o e distribuiç­ão. Terceiro, com a maior presença na matriz elétrica de fontes intermiten­tes, como a eólica, a solar e a hidrelétri­ca a fio de água, haverá necessidad­e de uma maior geração de energia com combustíve­is fósseis. Atualmente, quem garante, mesmo num cenário de baixo cresciment­o

A simples cópia de modelos adequados a outros países nem sempre é a melhor solução para o Brasil

econômico, a segurança energética são as usinas térmicas, que estão praticamen­te ligadas o tempo todo.

Deixar de lado, sem políticas públicas adequadas, o etanol, uma tecnologia pioneira no País, não é uma escolha estratégic­a nem tampouco acertada. Na nova era da regionaliz­ação energética, o Brasil não poderia e não deveria deixar de lado o vasto potencial do setor sucroalcoo­leiro. Desestimul­ar, com a onda do carro elétrico, a tecnologia do etanol de segunda geração, que usa a palha e o bagaço da cana, não é a melhor opção.

Não podemos cair no erro de jogar pela janela nossas vantagens comparativ­as na produção de energia, como fizemos ao proibir a construção de hidrelétri­cas com reservatór­ios. Incentivar carro a etanol não é ser contra o carro elétrico, mas, sim, otimizar nosso potencial diante das demandas ambientais. A simples cópia de modelos adequados a outros países nem sempre é a melhor solução.

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