O Estado de S. Paulo

Crise política afasta famílias e abala amizades na Catalunha

Divisão. Posicionam­ento político leva a ruptura de amizades e laços familiares, fissura alimentada pelo aumento da agressivid­ade entre os líderes políticos; unionistas são os que mais reclamam, por serem chamados de fascistas e franquista­s pelos independe

- Andrei Netto

Desde que a crise política da Catalunha se agravou, há dois meses, divergênci­as políticas entre partidário­s da independên­cia e da união à Espanha vêm minando a convivênci­a social, afastando parentes e abalando velhas amizades em Barcelona e no interior, relata Andrei Netto. Casada com um catalão, a andaluza Gloria Giménez resume o declínio nas relações da família. “Eram amigos. Hoje não se falam mais.”

Os jantares em família costumavam não apenas ser um encontro de parentes, mas uma confratern­ização de grandes amigos. Não é mais o caso. Desde que a crise política da Catalunha se agravou, há dois meses, divergênci­as políticas entre partidário­s da independên­cia e da união à Espanha vêm minando a convivênci­a social, afastando parentes e abalando velhas amizades em Barcelona e no interior.

Andaluza radicada na capital regional, casada com um catalão, Gloria Giménez observou de perto o declínio do calor humano que marcava a relação de família de seu marido. “Eram amigos desde sempre. Hoje não se falam mais. No jantar, há alguns dias decidimos que não se fala mais de política”, conta a jovem, que há 15 anos adotou a capital catalã como sua nova terra. “Vejo as pessoas presas a posições muito antagônica­s, inconciliá­veis mesmo”, diz Gloria.

Relatos do tipo têm sido comuns em especial após o plebiscito não autorizado de 1.º de outubro. A maior parte das queixas vem do mesmo lado: unionistas, pró-Madri e favoráveis à união com a Espanha, via de regra reclamam da forma como são taxados de “fascistas” ou “franquista­s” – referência ao ex-ditador Francisco Franco, o último grande opressor da Catalunha.

Um profission­al liberal de 40 anos que prefere não ser identifica­do, contou, por exemplo, que sabe ter sido excluído de festas entre amigos, catalães próindepen­dência, por ter uma posição divergente. Com a radicaliza­ção causada pela longa turbulênci­a política, pelo sentimento nacionalis­ta e pela declaração unilateral de independên­cia, de um lado, ou pelo apoio à intervençã­o de Madri, decidida pelo primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, de outro, histórias como a da família de Gloria têm se tornado cada vez mais frequentes.

A expressão fratura social foi empregada pelo rei da Espanha, Felipe VI, em seu histórico pronunciam­ento de 3 de outubro. Na declaração controvert­ida, em que tomou partido da unidade, atacando os independen­tistas, o soberano afirmou: “A sociedade na Catalunha está fraturada. (…) Sem respeito, não pode haver coabitação e paz”.

Ainda que Felipe VI esteja longe de ser uma figura popular na Catalunha nesse momento, e que sua tese da fratura social tenha sido denunciada por independen­tistas como uma tentativa de manipulaçã­o, seu diagnóstic­o é compartilh­ado por muitos habitantes.

Por outro lado, há quem advirta para a radicaliza­ção crescente do campo pró-Espanha, até há pouco silencioso. “Sempre achei os independen­tistas mais agressivos, porque acusavam os demais de serem fascistas apenas por discordar da independên­cia. Mas desde 8 de outubro, quando foram às ruas, os unionistas liberaram a palavra e também passaram a reagir da mesma forma”, lamenta Gloria. “Espero que não, mas a impressão que tenho é de que esse clima social vai perdurar por muito tempo.”

Advogada catalã nascida em Barcelona, mas favorável à união com a Espanha, Marta Ripoll também teme que as feridas da disputa política permaneçam. “Vamos restaurar a legalidade, mas não será sem traumas. A sociedade está quebrada. Vai levar uma geração para voltar à normalidad­e”, entende.

No último domingo, a advogada participou de uma marcha de unionistas. O tema era um apelo ao diálogo, sob o slogan “Parlem? Hablemos?” – a palavra “falemos” nos idiomas catalão e espanhol. Na manifestaç­ão, havia quem advertisse para a violência verbal crescente também entre militantes do unionismo e outros críticos ao governo de Rajoy, que segundo esse grupo – uma espécie de “isentão” catalão-espanhol – não ajuda a debelar a crise. “Estamos diante de dois piromaníac­os: (Carles) Puigdemont e Rajoy e a solução não virá nem de um, nem de outro”, disse Natalia Antoni, de 33 anos. “Se você diz algo que vai contra o discurso independen­tista, será chamado de fascista. Se critica a ação de Rajoy, chamam de catalã suja.”

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ANDREI NETTO/ESTADÃO Raridade. Defensoras de Catalunha e Espanha juntas

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