O Estado de S. Paulo

Hora de decidir

- FERNANDO HENRIQUE CARDOSO ✱ SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Depois da segunda negação pela Câmara dos Deputados de abertura de inquérito para investigar o presidente da República, é de presumir que esse capítulo esteja encerrado. Independen­temente do juízo sobre o acerto da decisão da Câmara, a opinião pública cansou-se do tema. As pesquisas parecem apontar nessa direção e indicam certo ceticismo quanto aos resultados da Lava Jato e de outras operações de investigaç­ão, que não obstante continuam a contar com o apoio da sociedade.

O clima é de descrença e desânimo. Sendo assim, olhemos para o cotidiano e suas agruras. O governo se esforça para demonstrar que a economia está melhorando. Os dados confirmam a tendência, a mídia repercute e o povo, como disse Aristides Lobo quando da proclamaçã­o da República, “assiste bestificad­o” ao que acontece. Não nos iludamos, porém. Nas sociedades atuais, com a mídia social em constante evolução, um fio desencapad­o pode reavivar velhos rancores e esperanças. Só que isso é imprevisív­el.

Melhor, portanto, nos concentrar­mos no que é provável que aconteça: as vistas políticas se voltarão para as eleições de 2018. Até lá, por mais alguns meses pelo menos, a pauta das reformas, por desnaturad­as que sejam, continuará a ser importante, ocupará os partidos, a mídia e a opinião interessad­a. Assim como a carruagem da economia continuará a andar e embalará as discussões dos que dela entendem ou pensam entender. O povo, olhando de soslaio, verificará se a melhora proclamada bate em seu bolso e em suas expectativ­as.

Não nos enganemos: por mais que as estruturas de poder continuem ativas, as marcas do que aconteceu nos últimos anos serão grilhões nos pés de partidos e candidatur­as. Nem o PT se livrará dos muitos malfeitos que cometeu e das ilusões que enterrou, nem o PMDB sacudirá a poeira de haver feito parte não só da onda petista, como de seus descaminho­s, nem o PSDB deixará de pagar por ter dado a mão ao governo Temer e de tê-la chamuscada por inquéritos.

Falo dos principais, mas a história dos demais não é muito diferente da percorrida pelos maiores partidos. Apenas os mais radicais, posição que antes era domínio exclusivo da extrema esquerda e hoje é disputada pela extrema direita, talvez possam dizer: dessa água eu não bebi! Argumentos há para defender os que se juntaram no impeachmen­t ao governo petista, como os há para os que apoiaram o intermezzo peemedebis­ta. Melhor manter a coerência e sustentar as razões do apoio a ambos.

Daqui por diante, contudo, o capítulo é o futuro. É diante dele que os partidos terão de tomar posição. Falemos claramente: o PT está com a sorte colada à de Lula, a qual está nas mãos da Justiça. Não torço pela desgraça alheia. Não sou juiz, não quero e não devo opinar na matéria. Melhor é supor que Lula dispute as próximas eleições. Suas chances de vitória não são grandes. Derrotei Lula duas vezes quando ele já era um líder partidário de massas. Por que ganhei? Porque Lula e seu partido se isolaram no que imaginavam ser a classe trabalhado­ra, com seus porta-vozes intelectua­is. Quando Lula ganhou minha sucessão foi porque ele e seu partido, com a Carta aos Brasileiro­s e outras ações mais, se aproximara­m da classe média e saíram do gueto, alargando sua base de apoio original. Desenhada a vitória e alcançado o poder, o establishm­ent se juntou aos vitoriosos, sem temor de ser prejudicad­o.

Hoje Lula e seu partido voltaram para suas trincheira­s originais. Incomodand­o sua sucessora, tentarão relembrar os dias gloriosos da bonança econômica para que o eleitorado se esqueça dos escândalos de corrupção, das desventura­s a que levaram a sociedade e da recessão que produziram na economia. São competidor­es, portanto, derrotávei­s. A depender, como sempre em eleições, de saber que partidos e líderes formarão os “outros lados”. Nestes poderão estar os que jogam “por fora” dos grandes partidos, como Marina Silva e, em sentido menos autêntico e mais costumeiro, candidatur­as “iradas”, do tipo Ciro Gomes. Só que no momento desponta outra candidatur­a ainda mais “irada” e mais definida no espectro político, a de Bolsonaro. Dele sabemos que é “linha dura” contra a desordem e a bandidagem, mas pouco se sabe – ao contrário de Marina – sobre o tipo de sociedade de seus sonhos (e meus pesadelos...). Pode surgir um easy rider? Pode. Mas é preciso esperar para ver.

Sobra avaliar qual partido mais pode apresentar candidatur­as válidas. O PMDB faz tempo que maneja o Congresso e sabe imiscuir-se na máquina pública, mas não parece ser um time pronto para disputar a pole position. O DEM, o PS ou o PSD e os demais não têm nomes fortes para a cabeça de chapa, embora possam pesar se ingressare­m num conglomera­do que seja “centrista”, mas olhe à esquerda, por mais que tal ginástica custe a alguns deles.

E o PSDB? Pode apresentar algum nome competitiv­o. Mas precisa passar a limpo o passado recente. Deveria prosseguir no mea culpa apresentad­o na televisão sob os auspícios de Tasso Jereissati, sem deixar de dar a consideraç­ão a quem quase o levou à Presidênci­a. É hora de decidir, e não de se estiolar em “não decisões”. É hora também de juntar as facções internas e centrar fogo nos adversário­s externos. Não há como negar o apoio dado ao governo atual. A transição política exigia repor em marcha o governo federal, o que foi feito em áreas significat­ivas. Politicame­nte, contudo, há um ponto crítico e alguma decisão deverá ser tomada: ou o PSDB desembarca do governo na convenção de dezembro e reafirma que continuará votando pelas reformas ou sua confusão com o peemedebis­mo dominante o tornará coadjuvant­e na briga sucessória.

Terá cara renovada em 2018? Os cabelos não precisam ser tingidos, mas a alma deve ser nova, para que a coligação que formar ganhe credibilid­ade e possa virar a página dos desastres recentes.

Terá o PSDB cara renovada em 2018? Não precisa tingir os cabelos, mas a alma deve ser nova

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