O Estado de S. Paulo

Rigor para pedestre e ciclista

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Demorou 20 anos, mas finalmente foi regulament­ada, a aplicação de multas a pedestres e ciclistas que desrespeit­am as leis de trânsito, prevista no Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.º 9.503, de 1997). Mas desde logo fica evidente que o êxito da medida, destinada a aumentar a segurança dos pedestres e ciclistas, vai depender do empenho das autoridade­s na sua aplicação, que não é fácil, tendo em vista as caracterís­ticas dos envolvidos, muito diferente dos motoristas e motociclis­tas.

Embora sejam a parte mais fraca na relação com caminhões, ônibus, carros e motociclet­as, não resta dúvida de que pedestres e ciclistas têm, muitas vezes, uma parcela importante de responsabi­lidade nos acidentes de que são partes. Por isso, os principais beneficiár­ios da regulament­ação, feita por resolução baixada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que estabelece as regras para punir as infrações que cometem, serão eles próprios. Ela entrará em vigor em 180 dias, a contar de 27 de outubro.

Ao ser autuado, o pedestre ou ciclista infrator terá de ser identifica­do com dados constante de documento oficial. O mesmo será exigido do agente responsáve­l pela aplicação da multa. O endereço do infrator também será solicitado pelo fiscal, mas não será obrigatóri­o que essa informação conste do auto. Entre as coisas que o pedestre não pode fazer estão atravessar ruas fora da faixa de segurança; cruzar pistas de viadutos, pontes ou túneis, salvo quando há permissão expressa para isso. Quanto ao ciclista, não pode circular onde não há permissão para isso, como na contramão, e dirigir “de forma agressiva”. As multas serão de R$ 44,19 para os pedestres e de R$ 130,16 para os ciclistas.

Na prática, as coisas serão bem mais complicada­s do que parecem à primeira vista. Há problemas que, se não forem enfrentado­s logo nas primeiras tentativas de aplicação da medida, poderão pôr a perder essa excelente iniciativa. Segundo a resolução do Contran, caberá às autoridade­s municipais, estaduais e federais elaborar, cada uma, seu próprio modelo de autuação dos infratores. Deixar essa questão em suspenso, sem estabelece­r um modelo único ou dar diretrizes para que cada uma das autoridade­s dos três níveis de poder faça o seu, pode ser contraprod­ucente.

Outro problema é que a resolução não esclarece como será feita a cobrança das multas. Cada autoridade deverá resolver a questão a seu modo, e o mais rapidament­e possível. É lamentável e mesmo incompreen­sível que um ponto fundamenta­l como esse possa ter sido deixado em aberto. Isso pode pôr em dúvida a viabilidad­e da resolução.

A medida tem outros pontos fracos. Um deles foi apontado por usuária de bicicleta, ouvida pelo Estado, insuspeita de má vontade, porque aprova a punição aos infratores: não ficou claro o que significa guiar bicicleta de forma agressiva. Isso certamente atrapalhar­á o trabalho dos fiscais e abrirá caminho para a contestaçã­o de multas.

É de esperar que nos próximos 180 dias, antes da entrada em vigor da resolução, o Contran se debruce sobre essas questões e aponte soluções para elas. O que está em jogo é importante para aumentar a segurança do trânsito no País, que hoje deixa muito a desejar. Qualquer observador minimament­e atento sabe como é imprudente, quando não simplesmen­te irresponsá­vel, o comportame­nto de muitos pedestres e ciclistas. Pedestres, de todas as idades, atravessam fora da faixa feita para protegê-los ou desrespeit­am ostensivam­ente os sinais de trânsito. E ciclistas se comportam como se estivessem acima das leis, circulando na contramão, fazendo manobras perigosas e, sempre que isso lhes convém, trafegam pelas calçadas sem nenhum cuidado com os pedestres, para os quais afinal elas são feitas.

Ao agir assim, uns e outros não só colocam em risco a própria vida, como também prejudicam a dos que com eles se envolvem em acidentes. Foi dado um primeiro passo para pôr fim a essa situação. O seguinte é aperfeiçoa­r a resolução para torná-la rigorosame­nte exequível.

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