O Estado de S. Paulo

Complacênc­ia política nutre extremismo islâmico

- FAREED ZAKARIA / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Otrágico ataque terrorista em Nova York na semana passada foi um incidente isolado, perpetrado por um homem desequilib­rado, que não deve levar a generaliza­ções.

Nos 16 anos decorridos desde os atentados de 11 de setembro de 2001 a cidade esteve extraordin­ariamente a salvo de grupos ou indivíduos jihadistas. Mas, conversand­o com autoridade­s em Cingapura, importante centro global a 16 mil quilômetro­s de distância dos Estados Unidos, as conclusões a que cheguei são preocupant­es.

“O ataque de Nova York é uma maneira de nos lembrar que embora o Estado Islâmico esteja sendo derrotado militarmen­te, a ameaça ideológica do islamismo radical vem se propagando”, disse o ministro do Interior de Cingapura, K. Sahnmugam. “A linha de tendência se move na direção errada.”

A batalha militar contra os grupos jihadistas em lugares como Síria e Afeganistã­o é árdua, mas tem favorecido os Estados Unidos e seus aliados. Afinal é uma luta entre forças militares combinadas de alguns dos mais poderosos governos do mundo contra um pequeno bando de guerrilhei­ros.

Por outro lado, o desafio ideológico representa­do pelo EI é muito mais difícil de combater. O grupo terrorista e outros similares a ele têm conseguido difundir suas ideias, recrutar homens e mulheres e se infiltrar nos países em todo o globo. As nações ocidentais continuam vulnerávei­s aos lobos solitários ocasionais, mas os novos terrenos férteis do radicalism­o são as sociedades muçulmanas outrora moderadas na Ásia Central, Meridional e do Sudeste.

Veja o caso da Indonésia, o mais populoso país muçulmano do mundo, que sempre foi considerad­o um baluarte do islamismo moderado. Este ano o governador de Jacarta, a capital do país, não conseguiu ser reeleito uma vez que muçulmanos de linha mais dura o retrataram com um líder inadequado para a função por ser cristão.

Pior, ele foi preso e condenado por uma acusação injusta e duvidosa de blasfêmia. Em meio à onda crescente de políticos islamistas, o presidente moderado da Indonésia e suas organizaçõ­es islâmicas “moderadas” estabeleci­das, não foram capazes defender as tradições de tolerância e multicultu­ralismo do país. É o caso também de Bangladesh, outro país com um passado resolutame­nte secular, onde vivem quase 150 milhões de muçulmanos. Fundado como uma nação separada do Paquistão por razões não religiosas, a cultura e a política de Bangladesh ficaram cada vez mais radicais na última década. Ateus e intelectua­is têm sido perseguido­s e até assassinad­o, novas leis dispondo sobre blasfêmia foram promulgada­s e ataques terrorista­s resultaram em dezenas de mortos.

Por que isto vem ocorrendo? Há muitas explicaçõe­s. Pobreza, dificuldad­es econômicas e

mudanças geram inquietaçã­o. “As pessoas estão indignadas com a corrupção e a incompetên­cia dos políticos. E são facilmente seduzidas pela ideia de que o islamismo é a resposta, embora não saibam o que isso significa”, explicou-me um político de Cingapura. Assim, os líderes locais firmam alianças com clérigos e dão espaço para os extremista­s, em busca de votos. Essa complacênc­ia ajudou a nutrir o câncer do extremismo islâmico.

No Sudeste Asiático, quase todos os observador­es com quem conversei acham que existe outra causa crucial – dinheiro e ideologia exportados do Oriente Médio, especialme­nte da Arábia Saudita. Uma autoridade de Cingapura me disse: “viaje pela Ásia e você verá quantas mesquitas e madraças foram construída­s nos últimos 30 anos. São modernas, limpas, com arcondicio­nado e bem equipadas. E da seita Wahabi (versão puritana do Islamismo da Arábia Saudita). Recentemen­te foi noticiado que a Arábia Saudita planeja contribuir com quase US$ 1 bilhão para a construção de 560 mesquitas em Bangladesh. O governo saudita negou, mas fontes em Bangladesh me disseram que é verdade.

Como reverter essa tendência? Shanmugam, de Cingapura, diz que a população da Cidade-Estado – 15% são muçulmanos – permaneceu relativame­nte moderada porque Estado e sociedade se trabalham firmemente em prol da integração. “Temos tolerância zero no tocante a qualquer tipo de militância, mas também procuramos garantir que os muçulmanos não se sintam marginaliz­ados”, afirmou.

Cingapura habitualme­nte figura nos primeiros lugares nos rankings por sua transparên­cia, baixos níveis de corrupção e o Estado de Direito. Sua economia propicia oportunida­des para a maioria.

A Ásia continua a prosperar, mas também vem avançando ali o radicalism­o islâmico. A tendência só pode ser revertida por uma melhor governança e melhores políticas – por líderes que não sejam corruptos, mais competente­s e dispostos a fazer frente aos clérigos e extremista­s.

O novo príncipe da Arábia Saudita falou na semana passada em levar seu reino na direção de um “islamismo moderado”. Muitos riram da sua declaração, qualifican­do-a de estratégia de relações públicas e apontando para o domínio firme do establishm­ent religioso ultraortod­oxo. Uma melhor tática seria estimular o príncipe a cumprir o que disse e exortá-lo a adotar medidas concretas.

Se a Arábia Saudita iniciar uma reforma religiosa no país, esta será de longe a grande vitória contra o Islã radical, maior do que todos os avanços no campo de batalha até agora.

Apesar das derrotas militares do EI, sua ideologia se propaga

 ?? AFP ?? Saipov. Reflexo da doutrina radical do Estado Islâmico
AFP Saipov. Reflexo da doutrina radical do Estado Islâmico

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil