O Estado de S. Paulo

Brasil mais competitiv­o

Produtivid­ade brasileira é cercada de mitos

- Douglas Gavras

O aumento no número de anos de estudos não tem sido suficiente para incrementa­r a produtivid­ade do País. A relação direta entre ensino e ganho produtivo é um dos mitos para explicar a estagnação do Brasil no ranking da produtivid­ade, segundo análise feita por pesquisado­res do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas.

Outras mistificaç­ões questionad­as pelos economista­s são de que só o aumento da formalidad­e basta para melhorar a eficiência e que o País já resolveu seus problemas de improdutiv­idade em alguns setores.

No livro Anatomia da Produtivid­ade no Brasil, os economista­s reconhecem que os investimen­tos públicos em educação cresceram sucessivam­ente nas últimas décadas. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), os gastos passaram de 3,8%, em 1994, para 6,0%, em 2014. Consequent­emente, houve um grande aumento da escolarida­de no período, por exemplo, com um maior número de pessoas ingressand­o no ensino superior.

Uma delas é a capixaba Monique Morozin, de 23 anos. Ela se formou em engenharia de Petróleo e Gás no meio da crise que pôs a Petrobrás no centro dos escândalos de corrupção e atingiu em cheio o setor de petróleo. Sem emprego na área, ela voltou a ajudar os pais, que vendem farinha de mandioca em uma feira de produtores locais em Guarapari (ES).

“Quando comecei o curso, a gente imaginava que era uma chance de mudar a realidade da família. Sempre ajudei os meus pais na produção e na venda dos produtos na feira, mas quando ganhei a bolsa integral para estudar engenharia, achava que isso mudaria nosso padrão de vida.”

“Não é uma questão de reduzir o valor do investimen­to em ensino, mas o que o Brasil fez em termos de educação só atacou parte do problema, a gente tem a questão da baixa qualidade e o elevado abandono do ensino médio. Ao contrário do que se imaginava, o aumento do nível educaciona­l praticamen­te não se reverteu em ganhos de produtivid­ade”, diz Bruno Ottoni, um dos coautores do estudo.

Para o economista, mesmo que o brasileiro passe mais tempo em sala de aula, isso não será aproveitad­o se o País não tiver um ambiente de negócios que gere empregos de qualidade.

No caso da arquiteta Isabel do Carmo, de 28 anos, a queda no número de projetos durante os anos de crise deu um empurrão para que ela montasse a Flor da Cidade, uma microempre­sa de arranjos que oferece pacotes de assinatura. “Com o mercado em baixa, acabei descobrind­o uma nova vocação.”

Ottoni lembra que o período de crise ajudou a diminuir os ganhos no padrão de vida: a alta média anual de 0,2% da produtivid­ade do trabalho de 1980 a 2017 se refletiu em aumento de 0,7% ao ano da renda per capita.

Não quero ser grande. O estudo do Ibre aponta, ainda, que uma das causas para o Brasil amargar baixa produtivid­ade é o grande número de pequenas empresas e de empreended­ores informais. Os dados mais recentes do mercado de trabalho apontam que a volta do emprego é impulsiona­da pelas micro e pequenas empresas.

“A empresa existe desde 1971. Se o ambiente de negócios fosse menos difícil, a gente poderia investir mais e diversific­ar o negócio. Mas a gente não tem condição, no atual cenário econômico, de planejar estratégia­s mais longas”, conta Sérgio Kyrillos, sócio da fábrica de tesouras e grampos de cabelo La Lupe.

Sem condições de competir, fazer grandes aportes de capital e produzir em maior escala, o pequeno empresário também é incentivad­o a não crescer para não deixar de ser enquadrado em regimes diferencia­dos de tributação, como o Simples.

No caso da informalid­ade, a produtivid­ade agregada do setor formal é cerca de 3,4 vezes superior ao do informal, segundo dados de 2009. A realocação significat­iva do emprego do setor informal para o formal explica 87% do ganho de produtivid­ade agregada entre 2003 e 2009.

Ilhas produtivas. Um outro mito quando se discute a produtivid­ade, explica Armando Castelar, também do Ibre/FGV, é o de que o País tem setores produtivos. Segundo o economista, o Brasil tem ilhas de produtivid­ade em diferentes setores, com exemplos de empresas e produtores agropecuár­ios que se destacam.

“O Brasil deu um exemplo mundial ao deixar de ser um país de inseguranç­a alimentar para se transforma­r em um dos maiores players. Isso foi conquistad­o com tecnologia, com aumento produtivo”, diz Celso Moretti, diretor da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuár­ia (Embrapa). “Como a maioria das propriedad­es é familiar, ainda há muito espaço para aumentar a produtivid­ade. O Matopiba (região entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) tem áreas de pastagens degradadas que podemos recuperar.”

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Vocação. Com a crise, Isabel, formada em arquitetur­a, abriu uma empresa de arranjos de flores

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