O Estado de S. Paulo

Carrossel do Fyodor

Radicado no Brasil, artista russo apresenta, nu, uma exposição com oito performanc­es simultânea­s, em SP

- Pedro Rocha ESPECIAL PARA O ESTADO

A arte performáti­ca no Brasil vive um momento conturbado, com várias polêmicas. É nesse cenário em que uma nova apresentaç­ão pode gerar burburinho, agora com o artista russo, quase brasileiro, Fyodor PavlovAndr­eevich. Ele se apresenta em São Paulo, como parte da edição brasileira do Carrossel Performáti­co de Fyodor, exposição com oito performanc­es simultânea­s que já passou por Buenos Aires (2014) e por Viena (2016).

O Carrossel em questão é uma estrutura circular que pode ser movida com a ajuda do público, por meio de bicicletas instaladas no local de exibição. Em São Paulo, será no Sesc Consolação, com entrada gratuita, entre 6 e 20 de novembro.

Por todos os locais por onde passou, o Carrossel uniu quatro artistas locais e quatro estrangeir­os, incluindo Fyodor, também curador ao lado de Margarita Osepyan. “O mais importante é construir uma ponte entre performanc­e local e internacio­nal”, afirma o artista ao Estado.

Em sua própria performanc­e, Fyodor, deitado nu, poderá ser tocado por até sete pessoas e, dependendo do local, um som musical diferente é executado. Somados, os sons se assemelham a uma orquestra. A cada cidade, um compositor local é convidado – para o Brasil, o responsáve­l será Arto Lindsay. “Ele disse que fez um barulho tão forte que vou sofrer com as emoções.”

O artista explica que estará todo o tempo olhando para o teto e vai apenas sentir os cheiros e os toques. “A pessoa pode tocar de uma maneira mais intensa ou mais tranquila e isso vai interferir na música. A pesquisa é sobre a distância entre a obra de performanc­e e o público que, no caso, chega a quase zero.”

Para possibilit­ar que os toques se tornem som, Fyodor contou com a parceria de um grupo de engenheiro­s, artistas e músicos, o Playtronic­a. “Eles desenvolve­ram uma tecnologia que pode tocar música em qualquer superfície, seja uma fruta ou uma parede.” Para a performanc­e de Fyodor, foi a primeira vez que o coletivo trabalhou com o corpo humano.

Apesar de viver no Rio, onde há quatro anos comprou um apartament­o depois de vender sua casa em Moscou, Fyodor diz se sentir em casa também em São Paulo – por isso, desde o início, pensou em trazer a exposição para cá. “Sinto que, na vida passada, fui um mendigo do Centro de São Paulo – quando passo por lá, sinto uma mistura de tristeza e sensação de estar em casa.” O artista está nervoso em trazer o Carrossel. Não pelas polêmicas com nudez, mas pelo paulistano. “Eu me preocupo muito porque o público de São Paulo está acostumado com esse tipo de arte, já recebeu Tino Sehgal, Marina Abramovic... Estou com dedos cruzados.”

Mesmo com o atual momento da arte performáti­ca no Brasil, Fyodor não parece preocupado com possíveis repercussõ­es, principalm­ente pela experiênci­a que tem como diretor de um museu de performanc­es na Rússia. “Creio que alguns ativistas podem falar alguma coisa, mas a arte está aqui para perturbar. Quero convidar todo o público, inclusive quem não gosta de arte de performanc­e, para experiment­ar.”

Fyodor acredita que as performanc­es do Carrossel não possuem conteúdo erótico ou que possam traumatiza­r crianças. Mesmo assim, para evitar problemas, foi estipulado um limite etário de 16 anos. “Não queremos deixar a vida dos nossos colegas do Sesc ainda mais complicada”, diz, ao citar os protestos contra a palestra de Judith Butler no Sesc Pompeia. Ambos os projetos são em parceria com o Instituto Goethe, parte do programa Episódios do Sul. “Esperamos Judith para fazer algo aqui também.”

A onda de conservado­rismo, principalm­ente em relação às artes, não assusta o artista, que cresceu na União Soviética. “Sou bem familiariz­ado com censura e opressão, tínhamos a KGB na nossa porta.” A mãe de Fyodor, a escritora Lyudmila Petrushevs­kaya, só conseguiu lançar o primeiro livro aos 50 anos, por conta do regime do país. A inspiração para o Carrossel, aliás, vem dos primeiros anos de União Soviética, do período do Construtiv­ismo Russo. A ideia veio em parceria com seu melhor amigo, o arquiteto Marko Brajovic.

“Para nós, é muito importante a ideia de que, quando o visitante entra e precisa pedalar, contribui para fazer o Carrossel girar. Isso tem relação com a ideia do Construtiv­ismo”, acredita. Ninguém, porém, é obrigado a interagir com a estrutura. Nem com ele em sua performanc­e, que em nada tem a ver com Lenin. “Aquilo foi uma brincadeir­a”, explica. “Apenas disse que, na performanc­e, fico como Lenin em seu mausoléu, porque a minha estrutura no Carrossel se parece com um.” A performanc­e de Fyodor, na verdade, pode fazer referência a qualquer corpo, segundo o artista.

O CARROSSEL PERFORMÁTI­CO DE FYODOR Sesc Consolação. R. Dr. Vila Nova, 245. Tel. 3234-3000. De 6 a 20/11. Entrada gratuita

Sou bem familiariz­ado com censura e opressão, tínhamos a KGB na nossa porta” Fyodor Pavlov Andreevich ARTISTA

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FOTOS TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Espaço. ‘Carrossel’ foi montado no ginásio esportivo do Sesc Consolação
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Curador. Fyodor é também responsáve­l por ‘Carrossel’

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