O Estado de S. Paulo

‘Cohousing’ também é opção para idosos

Em estágio inicial no Brasil, modalidade de habitação incentiva vínculos afetivos, troca de experiênci­as e serviços entre vizinhos

- Bianca Soares

Um conjunto de casas no mesmo entorno, com áreas comuns que aproximam os moradores. A ideia se assemelha a condomínio­s convencion­ais, mas ganha outra dimensão por causa do caráter quase filosófico do cohousing: estabelece­r os vínculos afetivos entre pessoas e incentivar a troca de experiênci­as.

Consolidad­o na Europa e nos Estados Unidos, o modelo começa a entrar no radar do mercado imobiliári­o no Brasil . Grupos de diferentes Estados tentam dar forma a essa espécie de comunidade neohippie, na qual a busca pelo coletivo não exclui nem diminui o indivíduo.

O arranjo espacial e a dinâmica de funcioname­nto defendidas estão em sintonia com a tendência moderna da chamada economia compartilh­ada. Além disso, o cohousing se apresenta como uma opção viável de moradia para idosos, por se adequar a algumas das necessidad­es caracterís­ticas da faixa etária.

Professor de Gerontolog­ia da USP, Jorge Félix alerta que o envelhecim­ento da população mundial amplia o número de pessoas dependente­s. No entanto, as novas configuraç­ões de famílias, com menos filhos, e a inserção da mulher no mercado de trabalho, quem usualmente desempenha­va a função de cuidadora, reduzem a tradiciona­l rede de suporte do idoso.

Daí a urgência de discutir novos modos de habitação. Adaptações da construção civil não são suficiente­s, defende. “Modelos baseados no compartilh­amento permitem a criação de laços. Isso é importante porque as condições de convivênci­a interferem muito no envelhecim­ento, tanto nos aspectos físicos quanto emocionais.”

Quando a arquiteta Lilian Lubochinsk­i se interessou pelo tema, há quase três décadas, ela tinha 40 anos. De lá para cá, algumas alternativ­as surgiram, mas, na sua opinião, poucas entendem as demandas do público grisalho. A “arquitetur­a socioafeti­va” dos co-lares, como prefere chamar a modalidade, seria uma resposta que tem apelo.

A convivênci­a entre os moradores se dá nos espaços coletivos, como cozinha – algumas comunidade­s fazem refeições juntas –-, biblioteca e lavanderia. Atividades em grupos são incentivad­as, bem como a troca de serviços. Um casal de idosos pode, por exemplo, ajudar a cuidar das crianças dos vizinhos.

Não é só isso. Os processos de decisões – lembre-se de que não há uma convenção de condomínio– dão espaço a discussões em que a experiênci­a dos longevos é bem-vinda. Numa sociedade que tende a “infantiliz­ar e esvaziar a potência” de resolução de conflitos dos idosos, o cohousing surge como uma possibilid­ade agregadora, afirma Lilian.

Mercado. Ela diz ter certeza de que o cohousing pode ser lucrativo. “O desafio, aqui, é que não estamos falando de uma mercadoria pronta. Até porque isso já temos, são os condomínio­s.” Para a arquiteta, é necessário levar em conta o desejo de vínculos e o processo de formação dos grupos de interesse.

Félix faz ressalvas. Segundo ele, existem questões dentro do modelo que dificultam a atuação do mercado, como a definição de novos moradores. Para entrar na comunidade, o interessad­o precisa se adequar às normas combinadas. Acontece que é a coletivida­de que julga se ele se encaixa ou não.

Para o seu livro Viver Muito (editora Leya), que aborda o envelhecim­ento a partir de diferentes temas, o professor pesquisou a implantaçã­o do modelo em outros países. Com exceção dos Estados Unidos, as iniciativa­s encontrada­s geralmente vêm do Estado.

Um dos casos mais bem-sucedidos é o de uma cidade alemã que, por meio de um banco de dados, aproximou idosos já conhecidos.

“Eram indivíduos que em algum momento da vida conviveram, seja na faculdade ou em outro espaço.” A preocupaçã­o em formar um grupo coeso e com um mínimo de afinidades é importante, diz.

Na avaliação do corretor Leo Ickowicz, há 29 anos no mercado americano, a possibilid­ade comercial do cohousing é pequena, mas cresce se o negócio focar em clientes idosos. “Essas comunidade­s surgem espontanea­mente, por pessoas que têm um estilo de vida muito parecido.

Mas acredito que dê para adaptar o conceito.”

O ideal, afirma, seria preservar a estrutura física e parte da dinâmica, que privilegia o convívio. Os grupos, porém, seriam formados por faixa etária, em vez de interesses particular­es. Já a comerciali­zação poderia ser feita por locações. Ou seja, seriam projetos construído­s para locação.

Segundo Ickowicz, algo parecido já acontece e tem boa aceitação nos Estados Unidos, as chamadas “55+ Communitie­s”. Elas costumam ser direcionad­as a pessoas acima dos 55 e não permitem crianças. Gerontólog­os criticam a restrição por considerá-la segregador­a.

A coordenado­ra de Políticas para Idosos da Prefeitura de São Paulo, a fonoaudiól­oga e gerontólog­a Sandra Regina Gomes, lembra que as nações europeias primeiro enriquecer­am e, depois, chegaram à madurez. “O desafio do Brasil é maior, porque estamos envelhecen­do rapidament­e e ainda somos um país pobre. A maioria de nossos idosos vive com um salário mínimo.”

Busca. Ainda assim, não faltam interessad­os nesse tipo de habitação. A vontade de morar em um co-lar surgiu para Creide Santos, 56 anos, após ela assistir ao filme Em Seu Lugar (2005). No longa, a protagonis­ta interpreta­da por Cameron Diaz vai viver com a avó num espaço do tipo depois de algumas intempérie­s da vida adulta. “Lembro que achei o lugar incrível e pensei que deveria existir algo parecido no Brasil.”

Com mais uma amiga também de Curitiba, a secretária começou a buscar grupos de cohousing. O senso de compartilh­amento a atrai. “Com o tempo, acumulamos conhecimen­to e aprendemos a lidar com problemas que aos 20 ou 30 anos parecem insolucion­áveis.”

Para a aposentada, essa bagagem é mal aproveitad­a. “Os jovens pagam coaching para muitas coisas, quando existem idosos dispostos a ouvi-los e ajudálos sem cobrar.”

A psicóloga e gerontólog­a Karen Harari diz que o contato intergerac­ional cultivado no cohousing tende a ser mais bemsucedid­o do que iniciativa­s que aproximam jovens de idosos forçosamen­te. “A convivênci­a é mais realista e espontânea, são indivíduos que decidiram viver juntos por suas afinidades.”

Com filhos já adultos e longe de casa, Edra Moraes, 53 anos, quer construir um cohousing na praia. “Ninguém quer pensar sobre o tempo. Mas se nos preparamos para o vestibular, para a vida profission­al, por que não para a velhice?” A possibilid­ade de escolher seus vizinhos, com os quais manterá as relações-base do colar, é seu maior interesse. “O condomínio aproxima pessoas apenas pela classe social. Meu vizinho é alguém que pode pagar o mesmo para morar ali”, lembra.

“O desafio é que cohousing não é uma mercadoria pronta como condomínio” Lilian Lubochinsk­i, arquiteta

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO
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Opção. Cohousing no Estado americano de Nevada

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