UMA HISTÓRIA CULTURAL DOS FANTASMAS
Historiadora britânica se debruça sobre a origem e a evolução das assombrações no imaginário popular e nas mitologias
Reis, rainhas, cavalos, cães, corvos. Um “monte de feno que rodopia”. Um amor traído, um velho amigo, um natimorto, uma luz atmosférica. Como diz Susan Owens em seu recém-publicado The Ghost: A Cultural History, os fantasmas e espíritos tiveram muitas aparências e abraçaram numerosas causas ao longo dos milênios. No período medieval, as almas insofridas habitavam qualquer coisa que lhes parecesse boa para chamar a atenção. Uma das formas mais populares era o lençol com um nó no alto da cabeça, posteriormente substituído por um lençol solto (que facilitava a movimentação). Alguns buscavam vingança ou intervinham em favor dos oprimidos. Outros ofereciam lições de moral ou vinham apenas atrás de um bom papo.
Por mais que sejam ridicularizados como tolice supersticiosa, os fantasmas demonstram tenacidade surpreendente. Os vivos de há muito bisbilhotam os mortos – e estão sempre à procura de novos motivos para fazê-lo. No século 15, imaginava-se que os fantasmas eram as almas dos que padeciam no purgatório e vinham clamar por intercessão e uma passagem rápida para o paraíso. A Reforma protestante aboliu o purgatório, mas os fantasmas continuaram a ser vistos, “aparentemente alheios ao fato de que tinham se tornado uma impossibilidade doutrinal”. Em razão disso, tais visões passaram a ser consideradas ardis de Satã: “ilusões diabólicas” destinadas a ludibriar indivíduos de índole melancólica. Obras como Hamlet tinham o cuidado de incorporar ambas interpretações.
E continuaram gozando de boa saúde durante o Iluminismo. Com o lema da Royal Society, Nullius in Verba – sem se deixar levar pela palavra de ninguém –, homens como John Aubrey percorreram o Reino Unido atrás de fatos, compilando e classificando relatos sobre fenômenos sobrenaturais sob a rubrica “Filosofia Hermética”. Pensadores materialistas, como Hobbes – segundo o qual os fantasmas “são ausentes no espaço; ou seja, não existem em lugar nenhum; ou por outra, parecendo em alguma medida ser, não são nada” –, enfrentavam oposição ferrenha. Joseph Glanvill, autor de um volume imensamente popular de histórias de assombração, recorria à terminologia de Francis Bacon para sustentar que, se podiam ser observados e percebidos, os fantasmas tinham que ser reais.
Segundo Owens, que é historiadora da arte, nos séculos 18 e 19, os “fantasmas começam a exercer magnetismo irresistível” sobre poetas, pintores e romancistas, levando ao nascimento da “escola do cemitério” eà proliferação de horripilantes romances góticos. Na era vitoriana, quando“a fotografia, ainda em seus primórdios, parecia quase sobrenaturalmente propensaà criação de imagens fantasmagóricas ”, eventuais alterações na luz durante os longos períodos de exposição, ou a passagem de alguém pelo quadro, criavam “fantasmas” na imagem. As chapas fotográficas, se não fossem bem limpas, guardavam traços fugazes dos modelos retratados anteriormente. Alguns empresários espertalhões fizeram da coisa uma atividade lucrativa, a “fotografia espírita”, experimentando com as formas e os efeitos de seus fantasmas.
É uma pena que Owens não se debruce com mais vagar sobre as assombrações nos dias de hoje. O reality show Most Haunted, que pretende persuadir os espectadores da existência de espíritos entre nós, teria rendido um capítulo interessante. Uma discussão sobre as mudanças na estética dos fantasmas na era da computação gráfica também produziria bons resultados. E, como resolveu circunscrever seu estudo ao Reino Unido, Owens acaba silenciando sobre exemplos contemporâneos, como O Sexto Sentido (1999), do cineasta de origem indi an aM. NightShy amal an.Atesed eque os fantasmas são tipicamente britânicos tampouco parece defensável. Religiões mesopotâmicas estão cheias deles, assim como a mitologia dos índios americanos; seu alcance geográfico é enorme.
Apesar desses pequenos defeitos, é uma guia fascinante sobre as figuras espectrais – ea nossa obsessão coma mortalidade. Os cientistas modernos continuam a desdenhar da ideia, atribuindo as visões a envenenamento por monóxido de carbono ou à paralisia do sono. Mas os britânicos de hoje acreditam mais em fantasmas do que na existência de um Deus ou num paraíso. O livro de Owens mostra por que, apesar das revoluções científicas, políticas e religiosas, os fantasmas sobrevivem. Melhor deixar uma luz acesa.