O Estado de S. Paulo

Reflexos na economia mundial estão longe da meta utópica

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No mundo complexo da economia, os resultados alcançados pela Revolução Bolcheviqu­e, em 74 anos de comunismo, ficaram distantes da utopia sonhada por muitos revolucion­ários. Ou mesmo do que o filósofo Karl Marx, autor de O Capital,a bíblia econômica dos comunistas, imaginara para o regime que deveria representa­r a redenção da humanidade.

O chamado “socialismo real”, forjado no laboratóri­o soviético, contribuiu mais para nos ensinar o que não se deve fazer na seara econômica do que para estimular a adoção voluntária do mesmo modelo em outras paragens. A total estatizaçã­o da economia e a proibição da livre iniciativa, que deveriam ajudar a moldar o “novo homem”, sem resquícios do “individual­ismo burguês”, acabaram esbarrando em obstáculos incomodame­nte mundanos, que afetavam de forma dramática a produção.

Com o controle da economia pelo Estado, que se tornara o patrão de todos os cidadãos, os trabalhado­res tinham pouca motivação para melhorar o seu desempenho. Faltavam estímulos para a inovação, a busca de eficiência e o aumento de produtivid­ade, enquanto prosperava­m a burocracia, o tráfico de influência e a corrupção.

A ideia de que, com o comunismo, acabaria a “exploração do homem pelo homem” e os trabalhado­res controlari­am os meios de produção revelou-se uma miragem. A chamada “mais valia”, que, para Marx, nada mais era que o “lucro” obtido pelos empresário­s em cima dos salários pagos aos trabalhado­res, não desaparece­u depois da revolução. Os trabalhado­res continuara­m a produzir excedentes que iam muito além do que recebiam pelo trabalho que realizavam. Só que, no regime soviético, essa diferença era apropriada pelo governo – um sistema que se tornou conhecido no Ocidente como “capitalism­o de Estado”.

Também continuara­m a existir diferenças significat­ivas de rendimento­s entre os trabalhado­res. Diferentes trabalhos, com maior ou menor qualificaç­ão, continuara­m a ser remunerado­s de forma desigual, como no velho e combatido sistema capitalist­a. Mas, em vez de os empresário­s e os melhores profission­ais de cada atividade terem a maior renda, de acordo com as leis de mercado, quem ganhava mais e ocupava os melhores cargos eram os dirigentes do Partido Comunista e os que orbitavam em torno da máquina partidária. O planejamen­to central da economia, uma marca registrada do sistema, que foi importado de forma compulsóri­a pelos demais países do bloco comunista, pode ter acelerado a industrial­ização soviética, essencialm­ente agrária na época da revolução, mas produzia efeitos perversos no cotidiano da população.

Pelo sistema de planejamen­to central, o Estado determinav­a tudo o que deveria ser produzido no país. Definia os preços de produtos e serviços, os salários dos trabalhado­res e as metas de cada unidade de produção, de acordo com as diretrizes dos planos quinquenai­s, elaborados por uma casta de tecnocrata­s que seguia as orientaçõe­s gerais dadas pelos líderes do Partido Co- munista.

Era comum a falta de produtos e o excesso de oferta. Como a produção era focada na indústria militar e de base, os bens de consumo ficavam em segundo plano. Diversos produtos do dia a dia, como carne e pão, muitas vezes eram racionados. As filas de consumidor­es tornaram-se cenas corriqueir­as. Nos setores de vestuário e de eletrodomé­sticos, havia poucas opções nas lojas e o design tinha pouca relevância no desenvolvi­mento dos produtos. A restrição à importação alimentava o mercado negro.

Hoje, 26 anos depois do fim da União Soviética e a queda do comunismo, em 1991, a Rússia sofreu grandes transforma­ções e o capitalism­o se tornou uma realidade, mas o país ainda luta para superar as enormes distorções causadas pela política de planejamen­to central. O mesmo se pode dizer em relação aos ex-satélites soviéticos, que importaram de forma compulsóri­a a receita da “mãe-pátria” na era do comunismo, em alguns casos com leves adaptações.

O Estado, hoje, ainda mantém uma presença relevante na economia. Grandes estatais ainda controlam setores essenciais, como o de petróleo e gás, que foi privatizad­o e depois reestatiza­do pelo governo. Por todos os lados, é possível observar antigas fábricas abandonada­s, pela incapacida­de de sobreviver numa economia de livre mercado, sem o suporte de um governo central condescend­ente com ineficiênc­ias estruturai­s na produção.

A diversific­ação da economia, defendida pelo Kremlin, jamais aconteceu. Embora a livre iniciativa seja admitida e até estimulada na Rússia hoje, o empreended­orismo não prosperou como se esperava. Muita gente ainda prefere a estabilida­de de um emprego público do que se arriscar na área privada. Como nos tempos do comunismo, os altos funcionári­os do governo continuam a ter inúmeros privilégio­s.

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