O Estado de S. Paulo

Queda do muro permitiu entender elos com Brasil

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Amelhor janela que se abriu para entender as relações entre Moscou e os comunistas brasileiro­s no período imediatame­nte após a Revolução de Outubro ocorreu em 1991 quando da implosão da União Soviética. Durante pelo menos 2 anos, as rigorosas medidas restritiva­s de acesso a arquivos oficiais (especialme­nte do próprio PC soviético, que acabara de ser proibido sob Boris Yeltsin) caíram ou foram reinterpre­tadas de forma muito mais liberal por funcionári­os desorienta­dos. Nesse período, eu era correspond­ente do Estado acreditado tanto em Berlim, capital da recém reunificad­a Alemanha, como em Moscou.

E ali foi Yuri Ribeiro, o filho caçula de Luís Carlos Prestes (secretário do Partido Comunista Brasileiro por 37 anos), quem me convenceu a dar uma espiada em arquivos que trariam alguma luz sobre um período crítico da história do comunismo no Brasil: quando seus militantes decidiram pegar em armas e derrubar o governo de Getúlio Vargas em 1935. Tratava-se no seu conjunto de documentos mais importante­s e reveladore­s dos arquivos do Komintern (como se grafava em alemão, idioma oficial da Internacio­nal Comunista da época), uma organizaçã­o que, como o nome indica, articulava internacio­nalmente a atuação de partidos comunistas a ela filiados.

Os resultados mais gerais da pesquisa escandaliz­aram não só antigos militantes, que durante décadas acreditara­m nas mentiras oficiais contadas pelos dirigentes do partido, mas também uma determinad­a linha de pesquisa histórica calcada muito mais no que era considerad­o ideologica­mente correto e muito pouco em pesquisa de campo (item fundamenta­l para qualquer reportagem séria).

O principal chefão comunista brasileiro, Luís Carlos Prestes, sai dos materiais do arquivo com a imagem destruída – não seria de se esperar que tivesse de Moscou uma noção crítica, mas o que os documentos sobre 1935 demonstram é uma extraordin­ária incapacida­de do condutor da revolta armada de entender o que acontecia no próprio país, além de ser tratado por alguns dos coparticip­antes como chefe militar de rara incompetên­cia.

Há debate entre historiado­res sobre a margem de manobra que dirigentes comunistas brasileiro­s tinham em relação às diretrizes estabeleci­das pelo PC soviético e, no caso específico de 1935, em relação ao que era elaborado pelo Komintern, por sua vez completame­nte dominado e controlado pelos “órgãos”, o volumoso aparato de repressão, espionagem e segurança do regime soviético. No caso brasileiro, a julgar pela base documental, era bem pouca. A “Maison”, como se referiam os militantes internacio­nais a Moscou, controlava da pureza ideológica à obediência, passando também pelos gastos (que o digam as prestações de contas enviadas por Prestes aos chefes do outro lado do mundo não apenas em sentido geográfico).

Talvez ironia final seja a descoberta do “Ouro de Moscou”, a expressão com a qual adversário­s dos comunistas durante décadas tratavam de designá-los como simples paus mandados a serviço de quem pagava. Não, o ouro não era de Moscou. Era de Prestes, que levou o dinheiro para a União Soviética. E, lá, o entregou a Moscou.

 ?? ACERVO ESTADÃO ?? 1935. Forças legalistas reagem a ação comunista em instalação militar na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro
ACERVO ESTADÃO 1935. Forças legalistas reagem a ação comunista em instalação militar na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro

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