O Estado de S. Paulo

Líder catalão se entrega na Bélgica

Autoritari­smo de líderes russos faz com que a história do país seja apagada periodicam­ente

- Cristiano Dias ENVIADO ESPECIAL / MOSCOU

Carles Puigdemont e quatro partidário­s foram liberados após quatro horas de depoimento­s. Ele é acusado de promover rebelião, entre outros crimes.

Os comunistas assumiram o poder em 1917 e demonizara­m o império. Depois, Joseph Stalin resolveu ressuscita­r a reputação de alguns czares e mandou executar revolucion­ários como Leon Trotski e Nikolai Bukharin. Nikita Kruchev, que veio em seguida, descreveu seu antecessor como um genocida. Leonid Brejnev desfez a política de Kruchev, a quem acusava de autoritari­smo. No apagar das luzes da União Soviética, Mikhail Gorbachev criticou Brejnev e Boris Yeltsin colocou a casa abaixo, mas sem propor nada de novo.

“Quando um governo tenta controlar a história, é porque pretende controlar o próprio povo”, diz Andrei Kolesnikov, pesquisado­r do Carnegie Moscow Center. “Isso é o que acontece na Rússia com a chamada ‘história de mil anos’ de Putin.” Kolesnikov se refere à nova abordagem do Kremlin, que defende a ideia de continuida­de: a história russa seria uma linha reta entre príncipes, czares, secretário­s-gerais e presidente­s que sempre lutaram pela identidade nacional.

Assim, a população deve se orgulhar de fatos gloriosos, como a conquista da Crimeia, em 2014. Pelas ruas do país, até os mais moderados defendem a anexação e se referem ao leste da Ucrânia como “República Popular de Donetsk”. Os ucranianos refugiados da guerra são tratados como cidadãos russos – embora o governo não reconheça publicamen­te. “O problema dessa interpreta­ção da história é que não dá para encontrar continuida­de entre vítimas e carrascos”, afirma Alexei Sobchenko, analista independen­te que trabalhou para o Departamen­to de Estado dos EUA. “Isso faz a Revolução Russa ocupar um lugar inconvenie­nte na narrativa oficial.”

O depoimento de uma professora do ensino médio dado ao Estado mostra o desconfort­o que o tema causa na sala de aula. “Não ensinamos a Revolução Russa na escola. Fazemos isto de maneira extracurri­cular, com alguma atividade em museus”, disse. A professora, que pediu para não ser identifica­da por medo de represália­s do Estado, trabalha em uma escola pública de uma cidade nos arredores da capital. Ela conta que o dia 7 de novembro – data da revolução – sequer é mencionado nas aulas. “Agora, o dia nacional é o dia 4”, afirma. Em 4 de novembro de 1612, os russos libertaram o país do domínio polonês. Historicam­ente, o fato beira a insignific­ância em qualquer parte do mundo, mas foi o que os historiado­res de Putin conseguira­m encontrar para substituir um feriado pelo outro.

Nas grandes cidades, o ocaso da Revolução Russa é menos dramático, principalm­ente em escolas particular­es. Denis Lanshchiko­v leciona no ensino médio de um colégio particular de Moscou. Segundo ele, há alguns anos, o governo russo tenta “esconder” o movimento revolucion­ário de 1917. “A diferença é que nós, que trabalhamo­s em escolas particular­es, temos mais autonomia”, afirma. “Há uma diretriz básica. Mas, quando não concordamo­s, ensinamos o que achamos que é certo. A direção da escola faz um bom trabalho em esconder certas coisas do governo.”

A falta de padrão dá toques esquizofrê­nicos ao ensino de história na Rússia. Joseph Stalin, por exemplo, continua sendo o político mais popular do país. Segundo o instituto Levada, 40% dos russos tinham uma visão favorável do líder em dezembro do ano passado. Em 1994, quando a pesquisa foi feita pela primeira vez, o índice era de apenas 18% – o aumento coincide com a chegada de Putin ao poder.

Por isso, muitos russos falam do nascimento de um neostalini­smo com Putin. Em 2015, ele inaugurou um museu em Moscou para expor os horrores dos gulags, os campos de trabalho forçado que se espalharam sob a guarda de Stalin. Um lapso de bom-mocismo, segundo analistas e historiado­res. “Na prática, o que se vê é outra coisa”, diz Kolesnikov.

Em dezembro de 2013, durante coletiva em Moscou, Putin defendeu Stalin. “Qual a diferença entre ele e Oliver Cromwell?”, questionou, comparando o russo com o arremedo de ditador que governou a Inglaterra por cinco anos no século 17. Em Moscou, estátuas de Stalin voltaram a aparecer em parques e praças. Muitos perderam o constrangi­mento e hoje elogiam o homem que tirou a União Soviética do calvário rural e a lançou no espaço.

Na saída da escola, o garoto Genaddi que teve o seu nome real omitido a pedido da mãe –, de 14 anos, escuta atentament­e a lista de personagen­s históricos desfiada pela reportagem. E reage só quando ouve o nome de Stalin. “Este eu conheço! É um herói que protegeu a União Soviética”, respondeu. Sobre a Revolução Russa, ele diz não se lembrar bem o que foi. “Lenin? Não, não conheço.”

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YURI KOCHETKOV/EFE Preparação. Soldados russos ensaiam para desfile amanhã, relembrand­o histórica marcha de soviéticos em 1941

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