O Estado de S. Paulo

Entidades reagem a ação federal no combate a ‘fake news’

Força-tarefa do TSE inclui Exército, Polícia Federal e Abin, o que, para especialis­tas, ameaça liberdade de expressão

- Rafael Moraes Moura Breno Pires / BRASÍLIA

Em meio à ofensiva do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para barrar o avanço de “fake news” na campanha de 2018, entidades da sociedade civil reagiram à inclusão do Exército, da Agência Brasileira de Inteligênc­ia (Abin) e da Polícia Federal (PF) nas discussões, temendo que haja margem para excessos e ameaça à liberdade de expressão.

Conforme revelou o Estado, o TSE prepara uma forçataref­a para combater a disseminaç­ão de “fake news” (notícias falsas) nas disputas do próximo ano. Integrante­s do tribunal já se reuniram com representa­ntes do Google e do Facebook para tratar do tema.

Para Marco Konopacki, coordenado­r da área de Democracia e Tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio), a intenção do TSE é legítima, mas ele alerta sobre a participaç­ão de órgãos de segurança nacional no debate. “Isso pode descambar para um vigilantis­mo exacerbado, num processo de autoritari­smo”, avaliou Konopacki. O professor Sérgio Amadeu, um dos representa­ntes da comunidade científica no Comitê Gestor da Internet no Brasil, concorda. Para Amadeu, o TSE deveria reunir especialis­tas, juristas, técnicos e acadêmicos para organizar um “guia de boas práticas” na internet.

“Não cabe ao Exército, que deve cuidar da estratégia de defesa do Brasil, participar de um debate que tem a ver com opiniões políticas de disputas partidária­s. Isso é um absurdo. Acho estranho que a Polícia Federal e a Abin trabalhem essa

questão, porque isso foge da competênci­a delas”, criticou Amadeu.

Segundo o advogado Bruno Bioni, do Núcleo de Informação e coordenaçã­o do Ponto BR (NIC.br), entidade ligada ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, o TSE deveria promover uma discussão “mais democrátic­a”. “O primeiro passo seria pensar

num arranjo que tivesse acadêmicos, setor privado, ONGs, que não ficasse só numa discussão com atores governamen­tais”, comentou Bioni.

Governança. Na avaliação da presidente do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco, a discussão pode gerar controvérs­ias em relação à liberdade de expressão. “A minha preocupaçã­o é anterior à definição de quem deve participar desse grupo. É qual será a governança desse grupo. A gente precisa dar um passo atrás – existe uma intenção, ela pode ser interessan­te, desde que tenha governança muito clara, mas sem entrar na questão da liberdade de expressão”, frisou Patrícia.

Já o professor Anderson Nascimento, especialis­ta em segurança da informação e privacidad­e da Universida­de de Washington, defende a inclusão de Exército, Abin e Polícia Federal no debate. Segundo Anderson, boatos podem gerar distúrbios sociais, sendo, portanto, problema de política, de órgãos de polícia e de inteligênc­ia.

“É questão nacional. Tem de ter órgãos de inteligênc­ia participan­do porque é algo que pode afetar a segurança nacional. O caso dos Estados Unidos (com as evidências de que houve interferên­cia da Rússia contra a campanha de Hillary Clinton) mostra que é possível haver uma potência estrangeir­a influencia­ndo em campanha eleitoral”, opinou Nascimento.

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ALEX SILVA/ESTADÃO-6/1/2017 Clareza. Patrícia Blanco se preocupa com a governança

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