O Estado de S. Paulo

As múltiplas faces de Oswaldo Aranha

Novo livro, que reúne discursos, palestras e cartas do ex-embaixador e ex-ministro de Vargas, expõe seus feitos e a ambiguidad­e de suas posições

- José Fucs

Na galeria dos grandes personagen­s da nossa história, o nome de Oswaldo Aranha ocupa um lugar privilegia­do. Como líder da Revolução de 1930, diplomata e ministro da Justiça e da Fazenda nos governos de Getúlio Vargas, ele foi protagonis­ta de alguns dos momentos mais marcantes de seu tempo, no Brasil e no mundo.

Agora, um novo livro – organizado pelos diplomatas Sérgio Eduardo Moreira Lima e Paulo Roberto de Almeida e pelo historiado­r Rogério de Souza Farias – oferece uma bem-vinda contribuiç­ão para resgatar a sua memória e ampliar o conhecimen­to sobre os seus feitos.

Lançado no fim de outubro pela Fundação Alexandre Gusmão (Funag), Oswaldo Aranha, um Estadista Brasileiro (Ed.Funag, 2 vols., 914 págs., R$ 62) representa um complement­o providenci­al a outro livro sobre ele que chegou às livrarias recentemen­te – Oswaldo Aranha, uma Fotobiogra­fia, (Ed. Capivara; 412 págs., R$ 70), produzido pelo editor Pedro Corrêa do Lago, neto do biografado.

Enquanto o livro de Corrêa do Lago nos leva a uma viagem fantástica pela vida familiar e pela trajetória de Oswaldo Aranha como homem público, por meio de cerca de 600 imagens, a maior parte das quais inédita, a obra da Funag dá um mergulho profundo nas ideias e realizaçõe­s de Aranha, a partir de uma criteriosa seleção de seus principais discursos, palestras e cartas, entre a Revolução de 1930, quando tinha apenas 36 anos, e sua morte, em 1960, aos 65 anos.

Nazi-fascismo. Disponível para download gratuito na biblioteca digital da Funag e numa edição em papel que pode ser encomendad­a à entidade por R$ 62, o novo livro traz também uma série de análises dos autores e de acadêmicos convidados a respeito da atuação de Aranha, como a do brasiliani­sta Stanley Hilton, autor de uma biografia sobre ele publicada no ano do centenário de seu nascimento, em 1994.

Por ser editado pela Funag, ligada ao Itamaraty, o material privilegia a atuação de Oswaldo Aranha na área diplomátic­a. Ao longo de dez anos, ele brilhou como embaixador em Washington (1934 a 1937) e ministro das Relações Exteriores (1938 a 1944), entre a ascensão do nazifascis­mo e a Segunda Guerra Mundial, quando se tornou interlocut­or privilegia­do e amigo do então presidente americano Franklin Roosevelt.

Brilhou também como presidente da Primeira Sessão Especial da Assembleia-Geral da ONU, em 1947, que definiu a partilha da Palestina e resultou na criação do Estado de Israel. “Depois do Barão do Rio Branco, Oswaldo Aranha foi o maior chanceler brasileiro da República”, diz o diplomata e economista Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e da Educação.

Mesmo com o foco na diplomacia, os autores dedicam quase metade do livro à atuação de Aranha como ministro da Justiça, nos primeiros meses do regime revolucion­ário de 1930, e como ministro da Fazenda (de 1931 a 1934 e de 1953 a 1954).

Contradiçõ­es. A melhor parte do livro, porém, são os 64 pronunciam­entos de Aranha, por meio dos quais o leitor pode acompanhar de camarote os acontecime­ntos de que ele participou nas quase três décadas em que esteve na linha de frente da diplomacia, da política e da economia do País. Por meio das próprias palavras de Oswaldo Aranha, o livro expõe as contradiçõ­es que caracteriz­aram boa parte de sua vida pública, sobre as quais pouco se costuma falar.

Como um dos articulado­res do movimento revolucion­ário, ele liderou, ao lado de Getúlio Vargas, que o tratava como “o melhor servidor da grande causa”, a ditadura que se instaurou no País após a queda do antigo regime, com a suspensão da Constituiç­ão, o fechamento do Congresso e a perseguiçã­o de oposicioni­stas.

Aranha teve papel decisivo também para a derrota da Revolução Constituci­onalista de 1932, lançada por São Paulo contra o regime de Vargas. “A revolução não é a ausência das leis: é o transe renovador dos direitos políticos de um povo”, afirmou Aranha, em 1931, em referência ao movimento que brotou no Rio Grande do Sul, conquistou o País e alçou Vargas ao poder.

Ao mesmo tempo, ele se considerav­a e era considerad­o por muitos como um democrata. Dentro do novo governo, lutou, efetivamen­te, em favor da volta do regime constituci­onal e se insurgiu contra o grupo que orbitava em torno do presidente e que compartilh­ava seus instintos antidemocr­áticos e antilibera­is.

Em 1937, com a decretação do Estado Novo, Aranha decidiu entregar o cargo de embaixador em Washington, por discordar do golpe de Vargas para permanecer no poder. Mas, no ano seguinte, voltou ao governo como chanceler. Segundo ele, foi uma forma de tentar contrabala­nçar a influência da banda nazi-fascista do governo. Assim, ao final, acabou alcançando aquela que foi, talvez, a sua maior conquista: convencer Vargas a se aliar aos Estados Unidos, que seria o lado vencedor da guerra, em 1943.

Apesar de se dizer um liberal e ter se tornado admirador do sistema americano, estimuland­o até a vinda de celebridad­es de Hollywood ao Brasil, como o cineasta Orson Welles e o empresário e produtor Walt Disney, Aranha apoiava a intervençã­o estatal na economia e fazia críticas duras ao capitalism­o. “Não é possível que prossiga a humanidade nos seus destinos, dentro dessa norma brutal que revogou todas as aspirações liberais, enquadrand­o-as na exploração grosseira do homem pelo homem”, afirmou na Constituin­te, em 1934.

Mesmo com toda a sua ambiguidad­e, é inegável que Aranha se destacou em suas atividades. Era considerad­o um homem honrado, com indiscutív­el espírito público, do tipo que hoje é difícil encontrar no País, e tinha uma visão geopolític­a que ajudou o Brasil a superar ciclos de crise e a ganhar projeção no cenário global. Como afirma o brasiliani­sta Stanley Hilton no ensaio que abre o livro: “Quando Oswaldo Aranha morreu, o Brasil chorou a perda de um líder – mas o mundo ficou de luto pelo desapareci­mento de um estadista”.

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LIVRO OSWALDO ARANHA UMA FOTOBIOGRA­FIA. 1.
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EDITORIA CAPIVARA 3. Poder e Hollywood. 1. Aranha e o presidente Getúlio Vargas, em Petrópolis (RJ), em 1953; 2. Com o empresário Nelson Rockefelle­r e seu homem de confiança, Berent Friele; 3. Com Walt Disney, no Itamaraty, no Rio de Janeiro, em 1941
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ACERVO ESTADÃO 2.
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Protagonis­ta. Aranha preside Sessão Especial da Assembleia-Geral da ONU, em 1947: papel decisivo na partilha da Palestina

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