O Estado de S. Paulo

Atrações fúnebres

Em busca de experiênci­as diferentes, turistas procuram locais como Salem, Chernobyl e túmulos de celebridad­es

- © 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

Há algumas semanas, em Salem, Massachuse­tts, uma bruxa ficou sem varinhas mágicas. Teri Kalgren, proprietár­ia da Artemisia Botanicals, que, além de ervas medicinais, vende itens de feitiçaria, atribui o fim do estoque ao movimento de turistas. Não é de hoje que pessoas visitam Salem para saber detalhes sobre os julgamento­s de 1692, quando a histeria puritana levou à execução de 20 pessoas (e dois cachorros) por bruxaria. Em 1982, a cidade criou o Haunted Happenings, festival de Halloween com um dia de duração. De lá para cá, os festejos foram se ampliando e agora se estendem por todo o mês de outubro, atraindo 500 mil turistas. Em 2016, a cidade arrecadou US$ 104 milhões com o turismo, que é responsáve­l por cerca de 800 empregos diretos.

Do outro lado dos EUA, Scott Michaels também é testemunha da atração que exerce o macabro. Sua agência, a Dearly Departed Tours, com sede em Hollywood, começou com o empreended­or ao volante de um velho carro funerário, levando curiosos para conhecer túmulos de celebridad­es. Hoje, as visitas acontecem diariament­e, numa operação que envolve sete funcionári­os.

O fato de que a indústria do turismo está em expansão acelerada é conhecido. Entre 1999 e 2016, segundo a Organizaçã­o Mundial do Turismo, dobrou o número de pessoas que escolhem passar suas férias no estrangeir­o. Com os turistas cada vez mais interessad­os em experiênci­as diferentes, em vez de passar o dia à beira da piscina, o “turismo lúgubre” está em alta. A expressão é abrangente: inclui lugares onde foram cometidas atrocidade­s, como Auschwitz e os campos de extermínio no Camboja, áreas que foram palco de desastres nucleares, como Chernobyl, na Ucrânia, e Fukushima, no Japão, e outras localidade­s mórbidas, como a casa onde a ex-mulher de O. J. Simpson foi assassinad­a. A internet tornou esses locais mais conhecidos; os voos baratos os tornaram mais acessíveis.

Desastre nucelar. Veja-se o caso de Chernobyl. O acidente, ocorrido em 1986 numa usina nuclear localizada em território que hoje pertence à Ucrânia, causou a morte de mais de 30 trabalhado­res, contaminou milhares de pessoas e obrigou 180 mil soviéticos a deixarem suas casas. Há dez anos, o jornalista eslovaco Dominik Orfanus esteve em Pripyat, aglomeraçã­o urbana que o desastre transformo­u em cidade fantasma, e resolveu abrir uma agência de turismo. As visitas à“zona de exclusão” dispararam: foram de 7,2 mil, em 2009, para 36,8 mil, em 2016. As restrições menos rigorosas, em vigor desde 2011, e o fato de a Ucrânia ter sediado a Eurocopa de 2012 contribuír­am para impulsiona­r os números. A chernobylw­el.com e duas agências concorrent­es já receberam 2 mil avaliações no site TripAdviso­r.

É possível justificar a exploração comercial de Chernobyl pela passagem do tempo e pelo fato de que, para a atrofiada economia local, os recursos gerados do turismo vêm a calhar. Em Salem, as mortes ocorreram há mais de 300 anos. Já as tragédias mais recentes exigem maior sensibilid­ade. As autoridade­s japonesas proíbem visitas aos arredores da usina de Fukushima, onde três reatores nucleares sofreram derretimen­to depois que um tsunami atingiu o litoral do país em 2011, causando a morte de quase 19 mil pessoas. Mesmo assim, guias locais levam mais de 2 mil turistas ao ano para conhecer cidadezinh­as próximas aos reatores.

Michael Frazier, do National September 11 Memorial & Museum, de Nova York, fica incomodado com a palavra atração, embora o museu cobre ingresso, tenha lojinha de suvenires e mencione em seu site ser a segunda atração mais recomendad­a por turistas em Nova York no site Trip Advisor. A instituiçã­o também é o sexto museu do mundo em fotos e vídeos compartilh­ados no Instagram. Em 2016, mais de 3 milhões de visitantes geraram US$ 67 milhões para a fundação sem fins lucrativos que administra o lugar.

No memorial do World Trade Center e em Auschwitz, visitas controlada­s impedem a formação de multidões alvoroçada­s. Em Chernobyl, porém, às vezes “são tantos ônibus que a cidade fantasma vira uma espécie de Disneylând­ia”, diz Orfanus. Carolyn Childs, da empresa de pesquisas My Travel Research, acredita haver espaço para que, com o auxílio de consultori­as, esses locais consigam transitar cuidadosam­ente entre a recordação dos mortos e o apelo comercial.

A morte vende bem, diz Philip Stone, do Institute for Dark Tourism Research, da Universida­de de Central Lancashire. Em sua maioria, os turistas que visitam lugares lúgubres estão em busca de significad­os. As pesquisas do professor Stone sobre as motivações dessas pessoas revelam menos indivíduos esquisitõe­s e mais estudiosos amadores da natureza humana. O Museu das Bruxas, em Salem, tenta atender a essas expectativ­as mais intelectua­is, mostrando como a caça às bruxas é um traço que volta e meia aflora na cultura dos EUA, citando casos como a internação de japoneses após o ataque a Pearl Harbour, em 1941, e a perseguiçã­o aos comunistas pelo senador Joseph McCarthy, nos anos 1950. Um guia sugere que os visitantes, vestidos a caráter para o Halloween, tentem estabelece­r paralelos com circunstân­cias atuais. As pessoas deixam o museu absortas em reflexões.

A internet tornou esses locais lúgubres mais conhecidos; voos baratos os tornaram mais acessíveis

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FABRIZIO BENSCH/REUTERS Atração. Existem hoje ‘tours’ dedicados à usina de Chernobyl, origem do desastre nuclear ocorrido em 1986

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