O Estado de S. Paulo

Série prova que espetáculo infantil pode ser intenso

‘Grandes músicos para pequenos’ adapta histórias de Milton Nascimento, Gonzagão e Braguinha para crianças

- / R.P.

Luiz é um menino pobre do seco sertão pernambuca­no que se encanta pela filha do coronel, proibida para ele. João é um apaixonado pelo carnaval carioca que conta com a ajuda da avó para driblar o pai dominador, e seguir sua vocação para a festa. Milton é o único negro na escola mineira de maioria branca, e sofre bullying por não ter a mesma cor da mãe adotiva. Em comum, a música une os três personagen­s, que compõem o repertório da série Grandes músicos para pequenos.

Nos palcos desde 2013, Luiz e Nazinha – Luiz Gonzaga para crianças ; O menino das marchinhas – Braguinha para crianças; e Bituca – Milton Nascimento para crianças já foram vistos por mais de 100 mil pessoas no Rio e além, e são exemplares da excelência que marca parte da produção voltada ao público mirim hoje. Autores, diretor e atores seguem à risca a máxima que diz que teatro infantil não precisa ser infantiloi­de.

Além de apresentar aos pequenos clássicos da música brasileira, como Asa branca, O xote das meninas , Chiquita bacana, Carinhoso, Coração de estudante e Maria Maria, os espetáculo­s trazem personagen­s mais complexos do que os dos contos de fadas, nos quais o mal é bem mau e a bondade é imaculada.

Meninos e meninas acostumado­s às histórias herdadas dos Irmãos Grimm e moldadas ao estilo Disney chegam sem saber bem o que vão ver, e saem invariavel­mente empolgados, pedindo para voltar. Já os pais cantam juntos músicas que fazem parte da trilha sonora afetiva de todo brasileiro adulto.

O ponto de partida para a série foi o centenário de Gonzagão, celebrado no fim de 2012. “A gente percebeu que tinha uma lacuna por espetáculo­s de maior qualidade artística e que falassem da cultura brasileira, e não só do que as crianças já têm acesso na TV. Deu muito mais certo do que podíamos ter imaginado”, diz o ator e autor dos textos, Pedro Henrique Lopes, que divide a paternidad­e do projeto com o diretor Diego Morais.

Desde o início do trabalho, Lopes conta, o norte já era não fazer uma peça para crianças, “e sim para que adultos voltem a ser crianças”. É o chamado “teatro para toda a família”. “Tem espetáculo­s ótimos que as crianças saem sem entender. Queremos dialogar com todo mundo sem tratar ninguém como idiota, entregando conclusões”, explica Lopes.

Luiz e Nazinha eO menino das marchinhas foram agraciadas com quatro prêmios do Centro Brasileiro de Teatro para Infância e Juventude (CBTIJ), criado por profission­ais da área para valorizar o gênero.

Bituca – que reestreia hoje no Imperator, no Rio, numa temporada de três semanas – mostra poeticamen­te o momento em que o pequeno Milton (vivido por Udylê Procópio) é adotado pela filha da patroa de sua avó, empregada doméstica, e como ele se refugia nas horas difíceis no amor da mãe biológica, ou Mãe Maria (Anna Paula Black), com quem não teve a chance de conviver (ele ficou órfão aos dois anos.)

Na escola, Milton tem um amigo, Salomão, interpreta­do por Lopes, que o vê como igual. Já Maricota (Aline Carrocino) o trata com desdém por ele ser negro, muito diferente da mãe adotiva (Martina Blink). A professora (Marina Mota) também tem comportame­nto racista. O bullying não é nomeado, mas a plateia apreende a mensagem.

Como nas montagens anteriores, a ficção se mistura à biografia do compositor. As crianças se enternecem com a candura que marca a amizade de Milton e Salomão, e com o amor a atravessar a relação da mãe e o “filho do coração”, e se deparam com lições sobre a ampliação dos modelos familiares e o respeito ao próximo. Isso sem que haja qualquer traço de didatismo.

“Milton, na peça, é sempre uma figura de luz, que consegue modificar seu entorno”, define Lopes, que ainda não teve o artista em sua plateia. Milton deve assistir à peça quando ela for para Minas Gerais – ele está morando em Juiz de Fora. Em São Paulo, o espetáculo deve desembarca­r no ano que vem. Outros gigantes da música brasileira já estão nos planos também para 2018.

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IMPERATOR Bituca. Montagem comove com liberdades poéticas

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