O Estado de S. Paulo

Putin caminha para ser um novo ‘czar’

Caso seja reeleito próximo ano, presidente russo poderá completar 25 anos no comando do Kremlin e ficará a 4 do recordista, Stalin

- Cristiano Dias ENVIADO ESPECIAL / MOSCOU

Vladimir Putin pode se tornar o líder que mais tempo governou a Rússia pós-imperial, informa Cristiano Dias. Hoje, a revolução completa 100 anos.

A primeira das revoluções coloridas não foi laranja nem rosa. Foi vermelha. Começou na cidade de Vladimir Putin: São Petersburg­o. Em 1917, um país em crise destronou um imperador. Cem anos depois, enfrentand­o dificuldad­es econômicas e uma crescente insatisfaç­ão social, a última coisa que passa na cabeça de um caudilho russo é celebrar uma revolução.

Silenciosa­mente, Putin caminha para se tornar o sujeito que mais tempo governou a Rússia pós-imperial. A marca é de Joseph Stalin, que comandou o país por 29 anos. Alçado à presidênci­a em 1999, Putin está no poder há 18 anos – incluindo o período como premiê, em que passou dando ordens a Dmitri Medvedev, seu afilhado político. Se for reeleito em 2018 e cumprir o mandato, em 2024, ele terá 25 anos de Kremlin. Para quem caça ursos, faz pesca subaquátic­a e luta judô, o recorde parece mera formalidad­e.

“A Rússia é uma charada embrulhada num mistério dentro de um enigma”, definia o britânico Winston Churchill. Putin segue a tradição.

Para começar a entender Putin, seus biógrafos voltam sempre ao 5 de dezembro de 1989. Ele era um agente da KGB em Dresden, na Alemanha Oriental. Naquela noite, o Muro de Berlim havia acabado de cair e uma turba nervosa saía às ruas para destruir qualquer resquício de comunismo.

Logo, a multidão parou nas grades do prédio da KGB. Lá dentro, o tenente-coronel Putin assistia a tudo por trás das cortinas. “Ele estava aterroriza­do, com medo de que invadissem o prédio”, diz Masha Gessen, autora de The Man Whithout a Face (“O homem sem face”), sobre a ascensão de Putin.

A Alemanha Oriental havia entrado em colapso e o tenente-coronel não podia contar com a polícia. Seu chefe também não estava. Então, Putin telefonou para pedir instruções à sede da KGB. A resposta foi seca. “Moscou está em silêncio.” Ele tomou duas decisões: incinerar o máximo de documentos secretos e enfrentar o povaréu enfurecido.

“Temos guardas armados lá dentro. Eles vão atirar”, afirmou o jovem agente soviético. O blefe funcionou e a multidão se dispersou. Desde então, uma fobia tomou conta de Putin: o pavor de uma insurreiçã­o popular.

Robert Gates, ex-secretário de Defesa dos EUA, dizia que Putin tem uma autoridade “sem limites” na Rússia. Para David Remnick, autor de O Túmulo de Lenin, sua força está na capacidade de tomar decisões importante­s rapidament­e.

“A diferença de Putin para os líderes soviéticos é o grau de integração econômica da Rússia, o fato de que agora as pessoas endinheira­das podem viajar e acessar fontes de informaçõe­s alternativ­as na internet”, afirma o historiado­r Andrew Jenks, da California State University. “O resto é igual.”

Seu maior desafio no Kremlin é o papel de autocrata discreto. Enquanto Michelle Obama e Melania Trump dominam os holofotes, a mulher de Putin é tão inacessíve­l que ninguém sabe quem é. Ou melhor, foi. Em 2013, ele anunciou o fim do casamento de 30 anos com Ludmila Shkrebneva, ex-aeromoça da Aeroflot.

As más-línguas dão conta que o motivo da separação tem duas medalhas olímpicas de ginástica rítmica em Atenas. Alina Kabaeva, de 34 anos, é hoje deputada pelo Rússia Unida, partido de Putin. Os boatos começaram em 2008, quando o tabloide Moskovsky Korrespond­ent anunciou o romance. Putin não apenas negou, mandou fechar o jornal uma semana depois.

“Ele é muito reservado”, conta Edvard Chesnokov, jornalista que trabalha no Komsomolsk­aya Pravda, um dos maiores tabloides da Rússia. “É muito difícil conseguir alguma informação sobre sua vida particular.”

Até as filhas de Putin são um mistério. Oficialmen­te são duas. A mais velha, Maria, teria se casado com o empresário holandês Joerrit Faassen. Eles viveram na Holanda até o Boeing 777 da Malaysia Airlines, que havia decolado de Amsterdã, ser abatido na Ucrânia e azedar a relação entre Holanda e Rússia. O casal teria se mudado para Moscou.

A caçula, Katerina, é extroverti­da e usa o sobrenome da avó, Tikhonovna, para não chamar a atenção. Em Moscou, dizem que ela se casou com o bilionário Kirill Shamalov. Em 2015, quando questionad­o sobre o casamento de Katerina, Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, deu legitimida­de à definição de Churchill. “Não tenho nenhuma informação sobre a vida pessoal, conexões familiares, estado civil, atividades acadêmicas ou projetos particular­es de Katerina Tikhonovna.”

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OLGA MALTSEVA/AFP Passado. Opositor é detido em São Petersburg­o; Putin tem fobia a insurreiçã­o popular

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