O Estado de S. Paulo

Investimen­to e seriedade

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Ainda por um ano, ou pouco mais, a expansão econômica brasileira poderá ser puxada pelo aumento do consumo, sem risco de grande pressão inflacioná­ria.

Com muita capacidade ociosa, a economia brasileira ainda tem espaço para crescer por algum tempo, mas a partir de 2019 será preciso cuidar mais do investimen­to produtivo, disse ontem o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Em outras palavras, ainda por um ano, ou pouco mais, a expansão econômica poderá ser puxada pelo aumento do consumo, sem risco de grande pressão inflacioná­ria. Essa declaração dá uma descrição razoável de um país apenas saído de uma longa e funda recessão e em fase inicial de cresciment­o. Sobra capacidade instalada na maior parte da indústria e ainda é possível aumentar a produção, para atender à demanda em recuperaçã­o, sem muita despesa em máquinas, equipament­os e instalaçõe­s. Esse é um aspecto positivo da situação nacional: a primeira etapa da recuperaçã­o é mais fácil do que seria se dependesse da ampliação e da modernizaç­ão do parque produtivo. A mensagem é essencialm­ente correta, mas comporta alguma qualificaç­ão – o que é normal, quando se trata de uma entrevista, ou seja, de um jogo rápido de perguntas e respostas.

Em primeiro lugar, pode-se falar de capacidade ociosa, genericame­nte, quando tratamos da indústria, mas a situação varia, naturalmen­te, de uma para outra especialid­ade. Em alguns segmentos a compra de máquinas e equipament­os poderá ser necessária antes de 2019, seja por causa da demanda (mercados interno e externo) ou pela mera conveniênc­ia de reposição ou substituiç­ão de material produtivo. A fabricação de bens de capital voltou a crescer neste ano, depois de uma longa fase de retração, em parte para atender à expansão da agropecuár­ia, em parte para suprir os segmentos mais necessitad­os de recomposiç­ão.

Nos 12 meses terminados em agosto, a fabricação de máquinas e equipament­os foi 3,1% maior que no período imediatame­nte anterior. Nesses 12 meses, só um dos outros segmentos da indústria acumulou resultado positivo, o de bens duráveis de consumo (+6,7%), puxado pelas montadoras de automóveis.

Em segundo lugar, seria necessário um otimismo incomum para falar de sobra de capacidade na infraestru­tura. A deficiênci­a é notória principalm­ente na área de logística. O sistema de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e armazéns é obviamente acanhado, diante das necessidad­es de uma economia como a brasileira. Os problemas, sempre ostensivos, ficam ainda mais evidentes quando ocorre um grande aumento da safra de grãos. Não só o agronegóci­o, no entanto, é prejudicad­o pela pobreza da logística. Também o transporte de bens industriai­s é dificultad­o e encarecido.

Mas o sistema, além de insuficien­te pela dimensão, é inadequado pela má conservaçã­o e pela qualidade insatisfat­ória da estrutura oferecida ao usuário. Muita corrupção e muita incompetên­cia administra­tiva são tópicos importante­s de qualquer explicação minimament­e realista do problema.

Há perspectiv­a de mudança na condução das políticas de infraestru­tura, mas o governo precisa mostrar mais agilidade nessa área. Novas concessões e parcerias e mais investimen­tos em vias de transporte, sistemas de energia e esquemas de saneamento são agora duplamente importante­s – por seus efeitos na eficiência econômica e na qualidade de vida e por seu impacto imediato na atividade econômica. Esse impacto inclui demanda de equipament­os e de materiais – máquinas de construção, cimento e aço são exemplos óbvios – e criação de empregos. A resultante desses efeitos, a curto prazo, será a aceleração do cresciment­o. Nesse caso, mais investimen­tos industriai­s serão necessário­s em menos tempo.

Mas nenhum esforço de aceleração do investimen­to e do cresciment­o irá longe, se o reparo dos fundamento­s for interrompi­do ou desacelera­do por causa das eleições ou de outros fatores políticos. O início das campanhas eleitorais, no entanto, é apontado por analistas e por figuras brasiliens­es como ponto de corte nos ajustes e reformas. Fala-se, enfim, como se democracia e responsabi­lidade fossem pelo menos temporaria­mente incompatív­eis. É uma estranha concepção de democracia.

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