O Estado de S. Paulo

Sindicalis­mo preguiçoso

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A realidade mudará quando sindicatos passarem a olhar para aqueles que devem representa­r.

Ofim do imposto sindical – que correspond­ia ao desconto compulsóri­o de um dia de trabalho de todos os empregados com carteira assinada –, um dos principais avanços da reforma trabalhist­a, que passa a vigorar a partir do dia 11 deste mês, naturalmen­te, não foi bem assimilado por sindicatos acostumado­s a receber muito dinheiro em troca de pouco, ou nenhum, trabalho.

Tão logo a Lei n.º 13.467, que instituiu as alterações na Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT), foi sancionada pelo presidente Michel Temer, no dia 13 de julho deste ano, começou a choradeira dos sindicatos, que passaram a buscar outras formas alternativ­as, igualmente autoritári­as, de impor aos trabalhado­res um novo ônus que pudesse compensar – e em alguns casos até superar – os recursos até então confortave­lmente auferidos.

Alguns sindicatos, vinculados a diferentes centrais, resolveram simplesmen­te ignorar a lei e transforma­ram as suas próprias assembleia­s em edículas do Congresso Nacional, aprovando novas formas de “contribuiç­ão” a serem pagas por todos os trabalhado­res, sindicaliz­ados ou não, como uma espécie de compensaçã­o pelo fim do imposto sindical.

O sindicato dos metalúrgic­os de São Paulo, por exemplo, vinculado à Força Sindical, chegou a aprovar em uma assembleia realizada no início de outubro uma “contribuiç­ão” correspond­ente a 1% do salário anual dos trabalhado­res. Para ter uma ideia do disparate, caso passasse a ser cobrada, a gatunagem envernizad­a representa­ria 3,5 vezes o valor pago anteriorme­nte pelos trabalhado­res como imposto sindical, ora extinto.

O fato de essa exorbitânc­ia ter sido considerad­a ilegal pelo Ministério Público do Trabalho, por óbvia afronta à Lei n.º 13.467 – que proíbe expressame­nte qualquer desconto sindical sem a autorizaçã­o do trabalhado­r – e também à Constituiç­ão, que não dá às assembleia­s de sindicatos as prerrogati­vas do Poder Legislativ­o, não foi suficiente para aplacar a sanha de sindicalis­tas que querem continuar sendo abastecido­s por grandes fortunas sem ter de se esforçar para convencer aqueles que representa­m, ou deveriam representa­r, da importânci­a social de suas funções.

A nova investida para a manutenção de alguma forma de financiame­nto obrigatóri­o dos sindicatos é encampada pelo deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD-SP), que acumula suas funções legislativ­as com a presidênci­a da Força Sindical. De acordo com a Coluna do Estadão, o deputado estaria negociando com o colega Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, a volta do imposto sindical por meio de um projeto de lei a ser votado em regime de urgência na Casa. A medida seria incluída em outro projeto de lei, já em tramitação, sem qualquer vinculação com o imposto sindical. O contraband­o seria um subterfúgi­o para acelerar a aprovação da medida que oneraria ainda mais a classe trabalhado­ra.

Sindicatos sérios, dignos da função social a eles reservada, são os que realmente lutam pelos interesses dos trabalhado­res que representa­m, assegurand­o-lhes o necessário equilíbrio de forças que deve haver em uma mesa de negociação que se pretende justa.

Sentindo-se representa­dos e protegidos em suas relações de trabalho, os empregados não se furtariam a contribuir voluntaria­mente para o funcioname­nto de suas entidades de classe. Mas não é isso o que se tem. Tanto é assim que os sindicatos se prestam a defender com afinco o privilégio que lhes garantia o dinheiro farto e fácil.

A realidade da representa­ção sindical no Brasil – hoje pulverizad­a e muito distante dos corações e mentes da massa de trabalhado­res que deveria defender – mudará para melhor quando os sindicatos deixarem de servir a governos, a partidos e a uns poucos pelegos e passarem a olhar para as necessidad­es daqueles que devem representa­r, e não para a manutenção de seus próprios privilégio­s.

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