O Estado de S. Paulo

Interpreta­çõesde leis e definição caso a caso expõem inseguranç­a

- Marilda Silveira PROFESSORA DA FACULDADE DE DIREITO DO INSTITUTO BRASILIENS­E DE DIREITO PÚBLICO (IDP) EM SÃO PAULO, MESTRE EM DIREITO ADMINISTRA­TIVO E DOUTORA EM DIREITO PÚBLICO

Desde 1988, a Constituiç­ão tem a pretensão de estabelece­r um limite para a remuneraçã­o recebida pelos agentes públicos. De lá para cá, o dispositiv­o que regula o tema (art. 37, XI da CR/88) já foi alterado por quatro emendas constituci­onais e acabou por estabelece­r que o teto geral do funcionali­smo público são os subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal que, hoje, equivalem a R$ 33,7 mil. Além desse teto geral, a Constituiç­ão estabelece­u tetos específico­s (ou subtetos): para os servidores dos municípios os subsídios do prefeito; já para os servidores dos Estados e do Distrito Federal os subsídios do governador (no Executivo), dos deputados estaduais e distritais (no Legislativ­o) e dos desembarga­dores do Tribunal de Justiça (no Judiciário, Ministério Público, Procurador­ias e Defensoria­s Públicas).

Embora esse emaranhado de regras não seja um primor de clareza, não há dúvida de que nenhuma remuneraçã­o, pensão, subsídio ou provento poderia ser paga acima do teto geral. Contudo, não é difícil encontrar milhares de servidores com remuneraçõ­es que ultrapassa­m o teto. Não sem razão, recentemen­te, a ministra Cármen Lúcia (CNJ) determinou que todos os tribunais lhe enviassem informaçõe­s sobre os recebiment­os de magistrado­s e servidores.

Nesse cenário, é impossível não se perguntar: por que é tão comum encontrar pagamentos acima do teto? São muitas as discussões que envolvem o tema, há muito tempo. Mas, atualmente, há um ponto central que tende a direcionar esse porquê.

Em 2005, o art. 37, §11 positivou o que já vinha sendo decidido pelo Judiciário: não são computadas para verificaçã­o do teto “as parcelas de caráter indenizató­rio previstas em lei”. Significa dizer que os valores recebidos a título de indenizaçã­o ficam de fora do total considerad­o para verificaçã­o do teto. O problema, portanto, passa a ser definir o que o servidor recebe como parcelas de caráter indenizató­rio e ficará de fora do teto. Desde então, travam-se enormes discussões a respeito das mais diversas parcelas (abono variável, auxílio-moradia, vantagens pecuniária­s, adicional por tempo de serviço etc) para se definir se devem ou não ser classifica­das como indenizató­rias. E, na grande maioria das vezes que se pretende cortar a remuneraçã­o de um servidor para se ajustar ao teto, é natural que ele recorra ao Judiciário.

Não foram poucas as vezes, portanto, que o Judiciário foi chamado a se manifestar sobre a matéria. O Supremo Tribunal Federal tende a não entrar nesse debate. Como definir o que é indenizató­rio passa pela interpreta­ção de inúmeras leis e não da Constituiç­ão, essas definições ficam a cargo do Superior Tribunal de Justiça. Essa pulverizaç­ão legislativ­a e a definição caso a caso expõem um sério debate sobre inseguranç­a jurídica.

Buscando dar solução ao tema, surgem iniciativa­s para aprovação de uma lei geral que regulament­e o art. 37, §11 e defina, com maior precisão, o que se insere no conceito de parcela de caráter indenizató­rio. Com isso, travam-se novos debates sobre os limites de competênci­a de uma lei geral e a natural inseguranç­a que é própria da linguagem, na vida e no Direito. O que se tem como certo é que essa é uma discussão que parece distante do fim.

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