O Estado de S. Paulo

Com amor, artista pula o muro entre pop e indie

- Pedro Antunes

Há tempos a música brasileira precisava de uma artista como Tiê. Vinda do folk delicado e intimista, na ponta mais extrema do conceito do que é ser independen­te hoje, ela atravessou as trincheira­s do mercado alternativ­o, descolou um contrato com uma gravadora (a Warner Music) e despontou na trilha sonora de uma novela da TV Globo (com A Noite, tocada à exaustão no folhetim I Love Paraisópol­is, de 2015). Ganhou público, encheu shows, vendeu discos – se é que a vendagem física ainda tenha serventia na era da música digital e por streaming. Puristas do indie torceram o nariz – porque afinal é a especialid­ade desses tipos –, mas Tiê seguiu seu caminho em linha reta. Certa do que quer.

Em tempos de mentes cheias de cabrestos e conceito “amo ou odeio”, Tiê ousa, corajosame­nte, ao ampliar o escopo. Não quer restringir seu Gaya a um nicho. Coloca, no mesmo balaio, Adriano Cintra (ex-Cansei de Ser Sexy, grupo dance cool brasileiro a sacudir o exterior há alguns anos) e André Whoong, parceiro antigo e dono de talento para dar temperar saborosame­nte amores insossos, como produtores. Nas participaç­ões, tem do indie inventivo Alexandre Kassin (a lap steel de Amuleto) e a voz inconfundí­vel e radiofônic­a de Luan Santana (ele, mesmo, pessoal). Na parceria vocal com o ícone do sertanejo jovem, chamada Duvido, Tiê faz a função de ponte. Conecta o dois pra lá dois pra cá de Luan com a letra de Rafael Castro, ícone da resistênci­a da música independen­te paulistana. O resultado é suavemente libertino e deliciosam­ente inocente. Uma canção daquelas para tocar nas rádios – e, assim espero – nas playlists dos descolados que acabaram de perder um grande amor.

Porque, no fim das contas, Gaya é uma expressão de amor – ouça também a balada Torrada e Café. Amor próprio, a alguém, uma saudade, a um filho. Isso, qualquer um que tenha um coração sente. Seja indie, seja radiofônic­o. De muros, afinal, o mundo já está cheio demais.

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