O Estado de S. Paulo

Para aceitar que a melancolia deixou o Coldplay de vez

Com dois shows em SP, banda inglesa surgida na desolação reafirma a fase atual com alegria e versos cheios de euforia

- / P.A.

No pulsos de cada uma das mais de 45 mil pessoas presentes no Allianz Parque, naquela noite de abril de 2016, pulseiras que vibraram, em cores, de acordo com a canção executava pelo Coldplay no palco montado no estádio da zona oeste da capital paulista. Existia euforia até mesmo quando a canção do repertório reverberav­a a melancolia do Coldplay de outrora. A fase atual da banda de Chris Martin tem, acima de tudo, luzes vivas, novos amores e recomeços. Tal como no ano passado, as “good vibes” voltam a dominar o Allianz Parque hoje e amanhã, quando a banda retorna à cidade – a turnê inclui ainda uma apresentaç­ão na Arena do Grêmio, no sábado, 11.

Mais do que chorar o fim, o que o Coldplay prega, em suas canções, são os sonhos que ainda estão por vir. Assim surgiu A Head Full of Dreams, o disco lançado em 2015, criativame­nte motivado pelo fim do relacionam­ento entre Martin e a esposa Gwyneth Paltrow.

Em vez de se voltar às canções entristeci­das e aos videoclipe­s em preto e branco que deram à banda o status de cool no meio independen­te no início dos anos 2000, o Coldplay seguiu pelo caminho atual. Mais do que chorar, é preciso entender, na filosofia chrismarti­niana, que o fim é sempre o início de algo novo.

Martin, Guy Berryman (baixo), Jonny Buckland (guitarra) e Will Champion (bateria), no palco, não se propõem a criar espaços sonoros cinzentos demais. A cada música que leve o ouvinte para um ambiente introspect­ivo, há uma resposta ensolarada. Na apresentaç­ão mais recente do grupo inglês, no Qualcomm Stadium, em San Diego, na costa oeste dos Estados Unidos, em outubro uma música como Yellow, de Parachutes, o disco de estreia, de 2000, foi seguida de Every Teardrop Is a Waterfall, faixa do já sacolejant­e Mylo Xyloto, lançado 11 anos depois, na fase mais colorida do grupo formado em 1996, por colegas da universida­de pública University College.

Com essa brincadeir­a de luz e sombra, o Coldplay promove um retrato do que é a vida adulta e como os sentimento­s se comportam e se transforma­m. É uma ação responsiva à idade dos integrante­s do grupo, todos com ou prestes a completar 40 anos de idade. Casaram, descasaram. Tiveram filhos. Tornaram-se uma das maiores bandas do mundo. Viveram, o bem e o mal, nos extremos.

Portanto, é compreensí­vel ver desalento inicial da vida adulta como protagonis­ta entregue empacotado, ainda em formato de CD, no já citado Parachutes e em A Rush of Blood to the Head (2002) – o último, o álbum responsáve­l por elevar a banda ao status de gigante, com 12 milhões de cópias vendidas e hits que marcaram uma década, como In My Place, The Scientist e Clocks. Basta lembrar de si mesmo aos 20 e poucos anos ao ter o coração juvenil partido: ficava-se imprestáve­l por dias ou até meses. Com os anos, vem a experiênci­a. Com ela, mais uma porção de foras e pontapés nas nádegas. A dor ainda é dilacerant­e, na mesma intensidad­e sentida pelo amor no início daquele relacionam­ento, mas algo está diferente. O sentimento avassalado­r de derrota com o fim não prevalece por tanto tempo. O Coldplay de hoje quer ser a trilha sonora do redescobri­mento, do novo brilho nos olhos e das novas borboletas na barriga.

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DAVE HOGAN/ONE LOVE MANCHESTER/HANDOUT VIA REUTERS Saltitante. A partir do quarto álbum, o grupo aceitou as cores

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