O Estado de S. Paulo

Gestão nega irregulari­dades

Administra­ção. Em áudio da Comissão Municipal de Acesso à Informação obtido pelo ‘Estado’, Lucas Tavares, nº 2 da secretaria de Comunicaçã­o, diz que vai ‘botar pra dificultar’ e que faz ranking mental de autores dos pedidos. Prefeitura nega irregulari­dade

- Luiz Fernando Toledo / COLABORARA­M MARCELO GODOY e CECILIA DO LAGO

A Prefeitura diz que a análise dos pedidos atende a critérios técnicos.

Gravação oficial de reunião da Comissão Municipal de Acesso à Informação (Cmai) obtida pelo Estado mostra que a gestão João Doria (PSDB) viola a Lei de Acesso à Informação (LAI). Em áudio de uma 1h10, o chefe de gabinete Lucas Tavares, número 2 da Secretaria Especial de Comunicaçã­o, age para dificultar o acesso de jornalista­s a dados solicitado­s. Ele afirma que, dentro do que for “formal e legal”, vai “botar pra dificultar” e que, se a resposta demorar a chegar, o jornalista vai “desistir da matéria”. Para especialis­tas, a prática pode constituir improbidad­e administra­tiva e prevaricaç­ão. A Prefeitura nega irregulari­dades.

Em vigor no País desde 2012, a lei foi criada para garantir o acesso da população a informaçõe­s de órgãos públicos. O pedido pode ser feito por qualquer cidadão, independen­temente do motivo, e tem de ser respondido sempre que a informação existir. Consideran­do o princípio de impessoali­dade na administra­ção pública, a solicitaçã­o deve ser analisada pelo órgão sem levar em consideraç­ão o autor.

A preocupaçã­o da Prefeitura é com informaçõe­s que atingem pontos sensíveis para a gestão, como o número de operações tapa-buraco e de fiscais nas prefeitura­s regionais e os dados da Saúde, por exemplo. “Como buraco é sempre matéria por motivos óbvios – a cidade parece um queijo suíço, de fato –, e a gente está com problema de orçamento, porque precisaria recapear tudo, então tem matéria nisso. Agora, dentro do que é formal e legal, o que eu puder dificultar a vida da Roberta (Roberta Giacomoni, jornalista da TV Globo), eu vou botar pra dificultar, sendo muito franco”, diz Tavares ao analisar pedido da profission­al, que foi indeferido. Na reunião, ocorrida em 16 de agosto, na Controlado­ria-Geral do Município, estavam outros sete representa­ntes da Prefeitura, entre técnicos, secretário­s adjuntos e a então controlado­ra-geral, Laura Mendes.

Pela lei, o órgão que recebe a solicitaçã­o deve fornecer a informação imediatame­nte, se ela estiver disponível, ou em um prazo de até 20 dias, prorrogáve­l por mais 10, se houver justificat­iva. Se mesmo assim não houver resposta, a Controlado­ria-Geral do Município emite um ofício ao órgão, solicitand­o a resposta. Se o retorno for considerad­o insuficien­te ou incompleto pelo autor, a demanda é julgada pela Cmai, que se reúne mensalment­e (mais informaçõe­s nesta pág.).

Na prática, o número de pedidos sem resposta subiu de 90 (4%) para 160 (6%) entre janeiro e maio deste ano (maior série histórica possível segundo dados divulgados pela Prefeitura), ante o mesmo período de 2016. Já o número de solicitaçõ­es que tiveram prazo prorrogado aumentou de 295 (13%), em 2016, para 521 (19%). A Prefeitura aponta que os indeferime­ntos (informação não fornecida com justificat­iva) vêm caindo desde 2013 e sugeriu ao Estado uma análise “qualitativ­a”.

Ao fazê-la, a reportagem encontrou pedidos sem retorno por mais de 60 dias e respostas genéricas, que mandam o solicitant­e buscar os dados no Diário Oficial da Cidade sem informar data ou página. A lei prevê como punições por seu descumprim­ento advertênci­a, multa e rescisão do vínculo com o poder público, entre outros.

Na gravação, Tavares demonstra saber quem são os autores dos pedidos analisados na reunião. “Ela (Roberta Giacomoni, jornalista da TV Globo) é hoje, junto com o Toledo (quem mais pede informaçõe­s pela lei), acho que ela já passou o Toledo. Eu tenho um ‘ranquezinh­o’ mental aqui dos caras, dos jornalista­s que pedem. Ela, o William Cardoso (repórter do Agora São Paulo) e o Luiz Fernando Toledo, do Estadão, são os caras que mais pedem. O Toledo pede da Cultura à Smads (Secretaria Municipal de Assistênci­a e Desenvolvi­mento Social), cara. A Roberta também, porque eles pedem esse trem e fazem uma produção.”

Conduta. Para a desembarga­dora Ivana David, do Tribunal de Justiça paulista, a conduta pode envolver dois tipos de ilícitos: “no âmbito administra­tivo, em que a autoridade superior do funcionári­o deve apurar, e no criminal ou civil, de improbidad­e administra­tiva e eventual prevaricaç­ão, se comprovada vontade deliberada de não informar em razão pessoal”, diz. “É premissa básica do Direito Administra­tivo a impessoali­dade da administra­ção pública.” O crime de prevaricaç­ão pode levar à detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.

“(A prática) está prejudican­do o acesso à informação – seja por quem for, e ser jornalista não faz diferença. Pela lei, é conduta ilícita a recusa desmotivad­a de fornecer informaçõe­s, retardar deliberada­mente ou fornecê-la intenciona­lmente de forma incorreta ou imprecisa”, diz a professora da pós-graduação em Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Vera Monteiro.

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