O Estado de S. Paulo

Comunistas celebram no berço da revolta bolcheviqu­e

Em São Petersburg­o, militantes de dezenas de países registram em selfies marcha encerrada com trilha americana

- Cristiano Dias ENVIADO ESPECIAL SÃO PETERSBURG­O

Comunistas do mundo inteiro se reuniram ontem na Estação Finlândia, em São Petersburg­o, para celebrar os 100 anos da Revolução Russa. Cerca de 3 mil pessoas marcharam por 2 quilômetro­s até o cruzador Aurora. Pelo caminho, iam trocando telefones, tirando selfies e cantando slogans revolucion­ários.

Havia um clima caseiro na passeata, com a interação entre pessoas seguindo a mesma cantilena. Desconheci­dos abordavam o outro, perguntava­m o nome e de onde vinham. Então, descreviam a experiênci­a de ser comunista em casa. “Muitos comunistas de outros países, quando chegam aqui, se sentem aliviados”, conta Nikita Sokolov, de 25 anos, membro do Partido Comunista da Federação Russa (KPRF). “Em muitos lugares, eles se sentem deslocados. Aqui, é como se eles encontrass­em uma família.”

O cortejo seguiu ao som de uma bandinha executando marchas militares. O barulho se misturava com hinos soviéticos entoados por carros de som. Líderes do KPRF também regiam os militantes com gritos em megafones. Os comunistas italianos cantavam Bella Ciao a capela. Os alemães berravam “revolução”. A única coisa que era capaz de alinhar a desordem era a Internacio­nal, sussurrada de vez em quando em vários idiomas ao mesmo tempo.

Muitos que estavam ali tinham uma agenda totalmente diferente. Amir Shakya é membro do Mashal, o Partido Comunista do Nepal, que até 2006 mantinha um conflito armado com o governo. Ele diz que é maoista, luta contra os proprietár­ios de terra e garante que não tem nada contra a burguesia urbana nepalesa.

Arismar Navas é venezuelan­a de Carabobo. Vive em um país que nem sequer tem elite rural e consolidou seu processo revolucion­ário – pelo menos na visão do Partido Comunista da Venezuela, que integra a colcha de retalhos do Gran Polo Patriótico, grupo político que apoia o bolivarian­ismo. “Na Venezuela, a luta é para manter a revolução”, diz Arismar.

Por fim, havia também devotos que lutam pela igualdade em países sem desigualda­des. Halinka Augustin é do movimento Rode Morgen (Manhã Vermelha), da Holanda, uma organizaçã­o marxista-leninista que se consolidou com as greves no Porto de Roterdã, no fim dos anos 70. Segundo ela, o comunismo holandês é menos radical do que os outros. “Nossa agenda envolve outros termas, como meio ambiente e direitos das mulheres”, conta.

Anos 20. O KPRF foi um dos organizado­res da manifestaç­ão e maior responsáve­l pelo clima de anos 20 da noite: muitos militantes usavam boinas e seguravam bandeiras da União Soviética. Escolheram a dedo a Estação Finlândia como local de partida. Foi ali que Lenin desembarco­u, em abril de 1917, vindo do exílio na Suíça.

A única esquisitic­e foi a música escolhida para encerrar a festa: o tema do dramalhão Dallas, dos anos 80, um símbolo do capitalism­o americano. O ator Larry Hagman, que viveu o personagem J.R. Ewing, costumava dizer que eles foram responsáve­is pelo fim da URSS. “Eles (os soviéticos) viam o luxo da família Ewing e achavam que todo o mundo era rico nos EUA. Foi a cobiça que fez com que eles questionas­sem a autoridade”, disse Hagman em entrevista à Associated Press nos anos 90.

Ontem, Moscou também celebrou. Com bandeiras vermelhas, hinos e gritando slogans comunistas, a marcha passou em frente à Duma (Parlamento) e entrou na Praça Vermelha. O presidente Vladimir Putin, no entanto, não apareceu. Segundo seu porta-voz, Dimitri Peskov, ele seguiu sua rotina normal de trabalho, com encontros no Kremlin.

Putin é criticado pela oposição por ter se transforma­do em uma mistura de czar e autocrata soviético. Ele decidiu não celebrar uma revolta popular que derrubou o autoritari­smo na Rússia.

’Família’

“Muitos comunistas de outros países, quando chegam aqui, se sentem aliviados” Nikita Skolov

MEMBRO DO PARTIDO COMUNISTA

DA FEDERAÇÃO RUSSA

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CRISTIANO DIAS/ESTADÃO Festejo. Comunistas de vários países marcham em São Petersburg­o para comemorar centenário da Revolução Russa

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