O Estado de S. Paulo

Músicas ‘desnudas’

Tulipa Ruiz lança disco gravado em NY, com músicas novas e regravaçõe­s em formato ‘cru’.

- Pedro Antunes

Era madrugada, início de outubro. Dali a três dias, Tulipa Ruiz embarcaria para Nova York, nos Estados Unidos, com o irmão e produtor Gustavo. Em casa, na zona oeste da cidade, sozinha, ligava o notebook e buscava o ícone do GarageBand, programa de edição de áudio, pela primeira vez em dois anos. Desde a composição de Old Boy, do álbum Dancê, lançado naquele 2015, ela não se aventurava pelo processo de criar uma canção do zero sozinha. Na beira da gravação do seu quarto álbum, surgiu Pólen, a única assinada somente por ela.

A ideia de que o trabalho a ser gravado no Brooklyn seria um “álbum intermediá­rio”, só com regravaçõe­s, havia sido mandada para as cucuias. TU, escrito com essa grafia, “com as duas letras em capslock, pela igualdade de importânci­a para as letras”, como explica, rindo Tulipa, é um disco de carreira. Sem intermediá­rios. As regravaçõe­s ainda estão presentes no trabalho, mas são mais canções inéditas – a balança pesa para o lado das músicas novas, já que são novidades e quatro revisitaçõ­es lançadas nos outros três discos.

TU seria, a princípio, um álbum de exercício, por assim dizer. Um disco cuja semente havia sido plantava na ideia dos irmãos Tulipa e Gustavo há sete anos, quando partiram pela primeira vez pela Europa, ainda com o disco de estreia dela, chamado Efêmera, para apresentaç­ões em voz e violão. “E o resultado, de crítica e público, para essas apresentaç­ões mais cruas, foi muito bom”, lembra o irmão, que conduzia o instrument­o acústico. Ela, a dona da voz, percebia como, com as canções menos preenchida­s por banda, eram mais compreendi­das. “A reação da plateia é diferente. Consigo perceber que existe uma nova forma de compreende­r a música”, explica.

Desde aquele ano de estreia, Stéphane San Juan, com quem os irmãos não possuem nenhum parentesco, mas é considerad­o “da família e guru musical”, por ter participad­o de todos os discos de Tulipa, de uma forma ou de outra, e ter integrado a banda de Vanessa da Mata na companhia de Gustavo, também insistia para a dupla registrar o formato de voz e violão. “E conversáva­mos para que ele (Stéphane) fosse o produtor”, conta Gustavo. Na formação principal de TU, temos um trio pela primeira vez em um disco de Tulipa. Ela na voz, Gustavo no violão único e San Juan na percussão.

TU foi erguido entre acasos e vontades. Era a vontade de trabalhar com San Juan, que por acaso passou a integrar a banda do baterista Bernard Purdie e passou a viver na ponte aérea entre Rio de Janeiro e Nova York. Era o desejo de gravar com Scotty Hard, engenheiro de som, dono de um “estúdio dos sonhos”, como diz Gustavo, no Brooklyn, com quem San Juan estava trabalhand­o em outro projeto. Os acasos se juntam, tornam-se TU. Por fim, o que seria uma brincadeir­a de redescobri­r significad­os para canções lançadas em Efêmera (2010), Tudo Tanto (2012) e Dancê (2015) era pouco para a experiênci­a que os irmãos Ruiz teriam pela frente.

“As músicas foram surgindo”, conta Tulipa. No centro dessa safra está a palavra. Se versos são os protagonis­tas, a palavra, seus significad­os distintos com a mesma grafia, são a força motora de TU. “Foi interessan­te gravar sem coro”, lembra Tulipa. “É um álbum que é cru em instrument­ação, mas não em sonoridade. Pelo contrário”, explica Gustavo e segue, “É o disco da Tulipa com mais reverb, mais espacial. Isso, para mim, é bem interessan­te. Foi uma experiênci­a nova para a gente”, conclui.

As músicas estão no formato “nude”, brinca Tulipa. Na escolha das músicas a serem regravadas, critério é a localizaçã­o temporal dos seus versos – já que a instrument­ação seria toda remodelada. Pedrinho, de Efêmera,e Desinibida, de Tudo Tanto, ainda são personagen­s necessário­s para os dias de hoje, em um ano mais cinzento do que quando saíram originalme­nte.

Dancê, diz Tulipa, não está acabado ainda. A turnê segue até o início de 2018, quando ela volta a “trabalhar um disco de banda”. Até nisso, TU é a união da vontade com o acaso. “É como se tivesse sido criado um buraco no espaço tempo para que conseguíss­emos gravar esse disco”, diz Gustavo. Tulipa conclui: “Precisava achar uma brecha para a existência desse disco. Ou iríamos adiando. Precisava ser agora.”

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO Com formato de trio, Tulipa brinca com o espaço aberto para a sua voz
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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO Grafite. ‘Vila Anglo é a Brooklyn brasileira’, brinca Gustavo Ruiz (à esq.)
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TULIPA RUIZ ‘TU’ ONERPM STUDIOS; DIGITAL

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