O Estado de S. Paulo

Lewis Hamilton desabafa

Tetracampe­ão, inglês fala ao ‘Estado’ sobre sua melhor fase da carreira, vida pessoal, força mental e até sobre futebol

- Ciro Campos

Piloto defende seu estilo bon vivant: “Quem me critica não sabe minha origem”.

Um piloto mais maduro, confiante e tranquilo recebeu o Estado ontem para uma entrevista. Com o tetracampe­onato mundial de Fórmula 1 garantido, o inglês Lewis Hamilton, da Mercedes, que se prepara para o GP do Brasil, domingo, afirma viver a melhor fase da carreira e diz se sentir seguro para atacar quem critica o seu estilo de vida baladeiro fora das pistas.

Aos 32 anos, o piloto demonstrou simpatia durante evento promovido pela Petronas em São Paulo, mas ficou sério ao relembrar do começo da carreira. Contou que seu pai chegou a ter três empregos para bancar o início do filho no kart, período que ajudou a moldar o estilo e o apreço do garoto para ter autoconhec­imento como arma para o sucesso.

• Após tantos recordes, quais você ainda quer conquistar?

Recordes não foram algo que busquei. Se eu bater algum recorde no futuro, ótimo, mas se não, sem problemas. A cada fim de ano eu acrescento novas coisas que quero alcançar. A maioria delas é fora do automobili­smo. Mas não posso comentar com você isso. Aprender um novo idioma é um objetivo, aprender piano também, ver as sete maravilhas do mundo é algo que também quero fazer um dia. Quero ter mais impacto com as crianças, que são o nosso futuro.

• Você não se importa de mostrar nas redes sociais suas viagens e festas. Você teme que isso um dia possa te trazer críticas caso os resultados não venham?

É um caso toda semana, porque viajo aqui e ali e, se eu não tiver bom desempenho, vão dizer que é por causa disso. As pessoas sempre estão à procura de um exemplo para justificar. É interessan­te. Na minha cabeça, quando eu publico uma foto do que estou fazendo, sinto como se estivesse compartilh­ando uma experiênci­a. É como se o seu amigo tivesse saído de férias e te mandasse uma foto. Nunca pensei que as pessoas vissem isso e consideras­sem negativo. Isso é algo que me causa conflito todos os dias. Penso sobre o quanto eu mostro ou o quanto não mostro. Porque, particular­mente agora, as pessoas veem o que sou hoje, mas não onde estive, como foi meu começo, de onde eu venho. Eu continuo a ver o começo, continuo perto dele, mas talvez não mostre isso suficiente­mente.

• Você parece mais relaxado neste ano. Tem alguma razão?

Eu acho que é parte do cresciment­o. Eu tenho 32 anos, me entendo melhor, sei dos meus valores, sei o que estou fazendo. É um ganho de confiança, conhecimen­to e cresciment­o como ser humano.

• Você faz trabalho específico com algum profission­al para aprimorar a sua força mental?

Não. Sou só eu e Deus. Eu rezo bastante, passo muito tempo tentando entender minha energia, os sentimento­s positivos e negativos. Sempre tento trabalhar internamen­te com a minha força, focar nas minhas fraquezas, tanto dentro quanto fora do carro. Eu não tenho uma teoria, um método específico, cada pessoa é diferente. Levou um tempo para eu me tornar o piloto que sou. Não é algo que você aprende rapidament­e.

• Qual é a principal diferença entre o Lewis Hamilton de hoje e o de dez anos atrás, quando estreou na Fórmula 1?

Eu acho que apenas maturidade e confiança no que sou, no que faço, no que falo. Quando cheguei aos 30, realmente notei que estava virando um homem e vi que tinha de aplicar tudo o que havia aprendido nesses anos. Se nós voltarmos no tempo, eu acharia positivo aprender com os meus erros, aproveitar melhor o tempo, seja estudando, lendo ou fazendo qualquer outra coisa.

• Na sua opinião, a troca de companheir­o de equipe nesta temporada ajudou você?

Acho que isso ajudou apenas a equipe. Para mim, é claro, trabalhar com a equipe fica melhor se tiver um ambiente agradável. Eu tenho certeza de que todo mundo da equipe adorou trabalhar neste ano pelo que nós conquistam­os. Gostei dos outros anos também, mas este ano foi realmente especial, particular­mente por disputar com a Ferrari. Acho que nós precisávam­os disso. Foram necessária­s solidaried­ade e unidade no time para conseguir superá-los (carros da Ferrari) com a força que tivemos neste ano.

• Após quatro títulos, qual você considera o mais difícil?

Eu acho que todos, de alguma forma, foram grandes desafios. Parece que a cada vez que você começa um campeonato será mais difícil do que o anterior, porque você tem de lutar contra várias coisas. Há vários conflitos na sua mente, situações que estão ao seu redor, às vezes você pode se distrair com isso. Honestamen­te, tudo isso deve ser superado para que você tenha desempenho no mais alto nível durante todo o ano.

• Nesta temporada, você começou atrás. Qual foi o principal momento da virada?

Acho que em Silverston­e foi um ponto de virada. Mesmo com algumas corridas depois dela, Silverston­e foi para mim forte e um grande teste para as minhas crenças, minhas tomadas de decisões, o que sou como pessoa. Para mim, lá foi como um clique. Depois disso eu sabia que realmente poderia ganhar o campeonato.

• Além da amizade com Neymar, o que mais você acompanha de futebol brasileiro?

Quando criança eu era fã da seleção brasileira de futebol. É até maluco, porque via a Copa do Mundo, claro, torcendo para a Inglaterra, mas também para o Brasil. Eu acho que era hipnotizad­o pelos talentos individuai­s do time, pela forma como eles jogavam. É assim até hoje, quando você vê Neymar jogando. Por algumas razões, pessoas de outros países não podem fazer isso. Eu me identifico com o fato de as crianças jogarem nas ruas aqui no Brasil, crescer com poucas condições e, de alguma forma, você ter os maiores talentos individuai­s que já atuaram no esporte. Eu admiro isso.

• Em que posição você jogava na infância?

Jogava como meio-campista. Eu não era espetacula­r, mas tinha bom preparo físico. Quando jogava, meus amigos pensavam que eu era louco, porque eu corria demais. Jogava um pouco na defesa, no meio de campo, depois na ponta-direita. Eu estava em todo o lugar do campo, perseguind­o a bola. Eu nunca desistia. Se perdia a bola, eu voltava para tentar recuperá-la. Eu realmente curtia isso. Mas não joguei futebol por muito tempo.

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Homenagem. O tetracampe­ão com Viviane Senna, irmã de Ayrton Senna
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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Recordes. Hamilton é o piloto com mais poles, 69

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