O Estado de S. Paulo

Um alerta de urgência

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Opresident­e do BC, Ilan Goldfajn, fez uma advertênci­a sensata: as boas condições internacio­nais para as economias emergentes “não vão durar para sempre”.

Uma advertênci­a simples e sensata fechou a palestra do presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, numa reunião em Montevidéu, no Uruguai: as boas condições internacio­nais para as economias emergentes “não vão durar para sempre”. Desta vez ele deu o recado completo, ou quase, e com a ênfase necessária. Talvez pudesse ter acrescenta­do umas poucas palavras: ninguém deve perder tempo. Relatórios do BC têm repetido, há meses, menções a um cenário internacio­nal benigno. As condições da economia global têm facilitado a recuperaçã­o do Brasil e contribuíd­o para o cresciment­o de muitos outros países latino-americanos, africanos e asiáticos. Têm contribuíd­o, também, quando os governos e parlamenta­res têm juízo suficiente, para ajustes das contas públicas e correções de falhas estruturai­s. Se alguém se atrasou, deve mexer-se com rapidez, porque ninguém pode dizer quando o tempo vai mudar.

Goldfajn falou em Montevidéu, durante a 23.ª Reunião de Presidente­s de Bancos Centrais da América do Sul. Tratou da evolução recente e das perspectiv­as da economia brasileira. Repetiu, de modo geral, informaçõe­s sobre a reativação, a inflação em queda e a redução dos juros no Brasil. Mencionou a boa posição das contas externas, com superávit comercial de US$ 53 bilhões até setembro, reservas superiores a US$ 380 bilhões e ingresso de financiame­nto direto equivalent­e a 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, descreveu a reorientaç­ão da política econômica desde o ano passado e expôs o programa de ajuste e de reformas.

A exposição trouxe, no entanto, uma novidade mesmo para o brasileiro informado sobre a economia nacional: a advertênci­a apresentad­a com ênfase incomum no final da apresentaç­ão. O recado seria mesmo para o público sul-americano? Talvez, mas o lembrete parece dirigido principalm­ente ao público brasileiro – de modo especial aos políticos e àqueles grupos mais informados e mais preparados para cobrar do governo e do Congresso as medidas necessária­s.

O alerta, em linguagem mais clara que a usada até agora na maior parte da comunicaçã­o do BC, serve muito bem para uma situação de incerteza crescente quanto ao ritmo das mudanças propostas pelo governo e dependente­s de aprovação no Congresso.

A mais urgente dessas mudanças é a reforma da Previdênci­a. Ministros da área econômica vêm-se empenhando de modo especial para mobilizar apoio da base governista. Enquanto isso, líderes dessa base aproveitam a situação de quase emergência e pressionam o Executivo, cobrando postos no Ministério e criando ambiente para barganhas.

Ao mesmo tempo, importante­s propostas encaminhad­as ao Parlamento são estraçalha­das por parlamenta­res empenhados em atender grupos e em cuidar da eleição. Algumas dessas propostas, como a de adiamento do reajuste salarial do funcionali­smo, são importante­s para a boa execução do Orçamento do próximo ano.

Reformas e ajustes, disse o presidente do BC em Montevidéu, são essenciais para conseguir cresciment­o econômico sustentáve­l e para manter baixa a inflação. Essa afirmação vale para todos os países sul-americanos, mas é especialme­nte relevante no caso daqueles com maiores desarranjo­s na última década, como Brasil, Argentina e, em condições extremas de degradação econômica, Venezuela.

A Argentina tem avançado na direção certa. O Brasil também, mas a agenda brasileira de reformas essenciais é especialme­nte ampla e, neste momento, politicame­nte complicada. Esta condição torna a advertênci­a mais dramática. O apelo, no entanto, embora realçado pela urgência, é um simples chamado ao bom senso.

Telhado se conserta quando o tempo é bom. Isto é mera sabedoria popular, acessível a qualquer pessoa simples e sensata. Mas a sensatez é frequentem­ente esquecida tanto por administra­dores como por legislador­es com poder para apoiar ou impedir boas decisões. Para produzir o efeito necessário, a sensatez tem de ser associada à disposição de cuidar do interesse nacional – algo um tanto raro em Brasília.

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