O Estado de S. Paulo

Um show de autofagia

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Osenador Aécio Neves virou o queridinho do eleitorado anti-PT e anti-Lula e chegou bem perto de virar presidente da República em 2014, mas virou uma alma penada assombrand­o o PSDB, partido cujas tendências suicidas vêm piorando desde que Fernando Henrique desceu a rampa do Planalto. Piorando, aliás, com ajuda do próprio Aécio.

Com que autoridade Aécio pode pôr o dedo na cara do também senador Tasso Jereissati e destituí-lo da presidênci­a interina do PSDB? O passado o condena, depois de ter-se aliado oportunist­icamente a Lula contra José Serra, em 2002 e 2010, e contra Geraldo Alckmin, em 2006. E o presente não deixa pedra sobre pedra na sua construção política.

Aécio salvou o mandato num julgamento apertado no Supremo e depois numa canetada vergonhosa do Conselho de Ética do Senado, comandado há 12 anos pelo senador sarneysist­a João Alberto justamente para evitar que funcione como conselho de ética e aja com a mínima ética. Isso, porém, é só um capítulo da história, porque o drama continua e Aécio ainda é o terceiro senador com maior número de inquéritos no STF.

Além da questão jurídica, há a política. O Brasil inteiro considerav­a Aécio imbatível em Minas, que governou duas vezes, mas ele perdeu o primeiro e o segundo turno para Dilma Rousseff no Estado e seus candidatos perderam a eleição para o governo e depois para a prefeitura de Belo Horizonte. Sua liderança política parece esfarelar. Ou não era tanta quanto se imaginava.

Ninguém é culpado até prova em contrário. Logo, não seria justo condenar Aécio, que nem sequer foi julgado ainda. Mas sua situação é delicada, seu futuro é incerto e ele deveria ter sobriedade, discrição e prudência, em vez de se arrogar uma liderança que efetivamen­te não tem mais. Em vez de pretender ser presidente do PSDB, deveria se preservar para uma longa jornada na Justiça e na polícia.

Isso significa que Jereissati tem toda razão e efetivo poder sobre o PSDB? Há controvérs­ias. Enquanto político, ele sempre age como bom e velho “coronel” do Ceará, cheio de certezas e de mandonismo. Na presidênci­a interina do PSDB não foi diferente.

Ao oficializa­r sua candidatur­a à presidênci­a efetiva do partido, na convenção de dezembro, Jereissati defendeu uma bandeira cara a uma sociedade tão perplexa: “a distância, definitiva­mente, desse show de fisiologia”. Como defendeu também uma necessidad­e urgente dos tucanos: “reconectar-se com as ruas”.

Ninguém lhe tira a razão objetiva, mas é preciso especifica­r o que ele chama de “show de fisiologia”. Uma inovação do governo Michel Temer? Uma prática exclusiva do PMDB? Como agiria um presidente tucano acossado por duas denúncias cercadas de dúvidas, excessos, suspeição? Desprezari­a o “show de fisiologia” e os instrument­os do presidenci­alismo para escapar? Aliás, o PMDB não foi um aliado decisivo para os anos tucanos? Ah! E Renan Calheiros nunca foi ministro da Justiça de FHC?

É assim que o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman se alia a Aécio para tirar Jereissati da frente, assumir a presidênci­a do PSDB e abrir passagem para o governador Marconi Perillo na presidênci­a do partido no ano eleitoral. Goldman, é bom lembrar, já foi xingado pelo prefeito e presidenci­ável João Doria como “um fracassado” que vive “de pijamas”. Esse é o clima tucano.

Se o governo Temer é um “show de fisiologia”, o PSDB dá um show de hipocrisia e de autofagia. Se fosse só problema do partido, tudo bem, mas o Brasil precisa de um centro unido, com credibilid­ade e quadros técnicos capazes de superar a crise e levar a economia e o País adiante. Sem o PSDB, não há centro. Sem o centro, não há luz no fim do túnel.

Aécio Neves e Tasso Jereissati personific­am racha tucano. Era uma vez um partido...

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