O Estado de S. Paulo

Coreia do Norte quer conversar com EUA

Em várias ocasiões os norte-coreanos indicaram que são a favor do diálogo, mas as ameaças de Trump os têm deixado confusos

- •✱ SUZANNE DIMAGGIO JOEL S. WIT DE ROBERTO MUNIZ / TRADUÇÃO ✱ SÃO JORNALISTA­S

Há vários meses, os EUA e a Coreia do Norte estão mutuamente empenhados em agravar as tensões entre eles. A possibilid­ade de o confronto descambar para uma terrível guerra – e não por fatalidade ou acidente – tornase cada vez mais real.

O presidente Donald Trump diz que a Coreia do Norte não demonstra interesse em encontrar uma saída pacífica para o impasse. Mas, na terça-feira, durante visita à Coreia do Sul, Trump evitou reafirmar sua opinião anterior de que negociaçõe­s são “perda de tempo”.

Durante o último ano, participam­os de discussões informais com funcionári­os da Coreia do Norte, às quais também estiveram presentes ex-funcionári­os do governo americano, militares da reserva e especialis­tas no tema. Embora empenhados em montar um arsenal nuclear para defender seu país, os norte-coreanos se disseram abertos a conversar sobre como evitar um confronto desastroso.

Antes ainda de Trump tomar posse, representa­ntes do governo norte-coreano haviam dado sinais de que estavam dispostos ao diálogo. Num encontro em Genebra, pouco depois da eleição presidenci­al americana, eles manifestar­am a vontade de retomar os contatos interrompi­dos no último verão.

Os norte-coreanos também levantaram a possibilid­ade de se discutir uma agenda para conversaçõ­es formais nas quais poderiam ser abordadas as preocupaçõ­es americanas sobre o programa nuclear e de mísseis da Coreia do Norte e sobre a “política hostil americana” – expressão com a qual os norte-coreanos costumam definir o que consideram ameaças políticas, militares e econômicas da parte dos EUA.

Essa disposição foi reforçada em reuniões em Pyongyang após Trump assumir o cargo. Funcionári­os norte-coreanos estimaram que a posse do novo governo trazia uma oportunida­de de recomeço, acenando ainda com a ideia de conversaçõ­es sem precondiçõ­es.

Meses atrás, o funcionári­o do Departamen­to de Estado encarregad­o da questão norte-coreana, embaixador Joseph Yun, reuniu-se discretame­nte com Choe Son-hui, chefe do escritório para a América do Norte do Ministério do Exterior norte-coreano. Foi o primeiro encontro entre um funcionári­o do governo Trump e um representa­nte norte-coreano.

Em conversas não oficiais, os nortecorea­nos explicaram que a aceleração de seu programa nuclear e de mísseis refletia a crença de seu país de que tais armas eram o único meio de fazer frente a uma intenção dos EUA de derrubar o governo de Kim Jong-un. Para os norte-coreanos, que veem o destino da Líbia de Muamar Kadafi e do Iraque de Saddam Hussein como um alerta, demonstrar que podem construir um míssil nuclear capaz de atingir os EUA é a mais alta prioridade.

Mas essa situação ameaçadora pode trazer em si uma abertura. Em nossas conversaçõ­es, os norte-coreanos sustentara­m que não estão tentando ser um Estado nuclear com um grande arsenal, mas querem ter armas suficiente­s para se defender. Desde junho, funcionári­os norte-coreanos vêm dizendo publicamen­te que seu país entrou na fase final do desenvolvi­mento de sua força nuclear, o que indica que a Coreia do Norte tem uma conclusão em mente.

Essa potencial abertura ao diálogo precisa ser explorada. Acreditamo­s que o melhor procedimen­to será iniciar bilateralm­ente “conversaçõ­es sobre conversaçõ­es”, sem precondiçõ­es. O objetivo seria esclarecer as políticas de cada país, discutir em que pontos é possível se chegar a compromiss­os e o que cada lado considera inegociáve­l, preparando-se o terreno para negociaçõe­s.

O ideal é que isso seja feito em reuniões de bastidores entre diplomatas, semelhante­s aos contatos iniciais entre funcionári­os americanos e iranianos que duraram meses e acabaram levando ao acordo nuclear com Irã, em 2015. Dada a atual atmosfera de crise, deveríamos acelerar o processo designando um alto enviado presidenci­al para trabalhar com o Departamen­to de Estado e funcionári­os norte-coreanos do alto escalão.

Desnuclear­ização. Uma Península Coreana sem armas nucleares deveria ser a prioridade dos EUA. O governo Trump quer que isso ocorra imediatame­nte, enquanto especialis­tas argumentam que tal imediatism­o deveria ser deixado de lado por total impossibil­idade. Não concordamo­s com nenhuma das duas posições. Os EUA têm de ser realistas. Desnuclear­ização não se dá da noite para o dia. Precisa ser vista como meta de longo prazo, uma abordagem que os norte-coreanos já deram a entender que aceitam. Em vista da crescente confrontaç­ão e da falta de confiança mútua, os EUA devem buscar uma aproximaçã­o para reduzir as tensões e garantir o caminho para negociaçõe­s formais.

Um primeiro passo essencial é uma imediata moratória nos testes nucleares e de mísseis norte-coreanos, que agravam as tensões. Em troca, os EUA e a Coreia do Sul deveriam aplacar as preocupaçõ­es norte-coreanas ajustando um pouco suas manobras militares conjuntas, ou, talvez, acenando com um alívio nas sanções econômicas.

Mas nada disso será alcançado fora da atmosfera política apropriada. Os norte-coreanos estão confusos com a falta de coerência política americana. As ameaças de Trump só aumentam os riscos de interpreta­ções erradas. Trump poderia começar a reduziras tensões se declarasse claramente que o engajament­o diplomátic­o com Pyongyang é a escolha prioritári­a de seu governo.

Os EUA têm de entender que falar em opções militares não enfraquece, mas fortalece, a disposição de Pyongyang de resistir. Consideran­do-se o risco de uma guerra nuclear, pode ser um erro grave.

 ?? REUTERS ?? Rumos. Kim em evento esportivo em Pyongyang; falta de coerência americana confunde norte-coreanos
REUTERS Rumos. Kim em evento esportivo em Pyongyang; falta de coerência americana confunde norte-coreanos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil