O Estado de S. Paulo

EXÍLIO DE LÍDERES CONFUNDE CATALÃES

Governador deposto promete governar da Bélgica, onde se refugiou para não ser preso; desmobiliz­ados, separatist­as reclamam de ‘detenções políticas’

- Andrei Netto ENVIADO ESPECIAL / BARCELONA

De Bruxelas, onde se refugiou há 10 dias com seus assessores mais próximos, escapando da prisão decretada pelo governo espanhol, o governador destituído da Catalunha deu ontem pela primeira vez uma satisfação a seus governados. Em nota, Carles Puigdemont disse entender “a desorienta­ção causada por nossa falta de respostas rápidas aos ataques desmedidos contra os representa­ntes e as instituiçõ­es legítimas catalãs”.

Ele prometeu criar uma “estrutura estável” para coordenar seu governo da Bélgica, sem sinais de que voltará a Barcelona. A mobilizaçã­o independen­tista diminuiu desde sua partida e desde que o executivo central, presidido por Mariano Rajoy, destituiu o governo local, dissolveu seu Parlamento e convocou eleições regionais para 21 de dezembro. Os militantes sentiram o vazio de poder.

No momento em que o Legislativ­o catalão declarou a independên­cia, no dia 27, Xavi Malet fixou os olhos no ponto mais alto do prédio, à espera que a bandeira da Espanha fosse arriada do mastro, cedendo lugar à estrelada, o símbolo máximo da Catalunha independen­te. Mas o pavilhão vermelho e amarelo da coroa espanhola seguiu tremulando sobre a Praça de Jaume, no centro de Barcelona, e então o designer catalão independen­tista observou: “As pessoas se olharam e disseram: aí tem algo errado”.

Dias depois, os militantes da secessão da Catalunha se dividem entre a decepção com o fracasso da tentativa de independên­cia levada a cabo pelo Parlamento e a indignação recente com as prisões de líderes do movimento secessioni­sta. Ontem, a Promotoria pediu a prisão da presidente do Parlamento catalão, Carme Forcadell, e outros três parlamenta­res investigad­os por sedição e rebelião.

A sensação de desânimo se agravou quando Barcelona foi abandonada por parte dos líderes separatist­as. Puigdemont viajou a Bruxelas acompanhad­o de sete de seus ex-secretário­s de Estado.

O que era para ser um grito de liberdade a ser defendido a qualquer custo mostrou-se uma declaração simbólica importante, mas vazia de valor jurídico e de força política, que escancarou uma realidade: a sonhada independên­cia não foi para valer – por enquanto. “Quando Puigdemont veio e disse que estava em Bruxelas, as pessoas não o considerar­am um traidor porque tinha partido. Mas entenderam que Madri tinha a força e nesse aspecto não poderíamos ganhar”, diz Malet, catalão independen­tista convicto, morador do bairro de Gràcia, em Barcelona. “É claro que baixou um pouco o ânimo, mas vamos seguir trabalhand­o”, garante.

Entre os secessioni­stas ouvidos pelo Estado, o clima é de decepção com o atual cenário político e com a eficácia da intervençã­o de Madri, que, valendose do Artigo 155 da Constituiç­ão, assumiu o controle das instituiçõ­es catalãs e governará nas próximas semanas. Engenheiro nascido em Mataró, balneário situado a 30 quilômetro­s de Barcelona, Sergi N.P. esteve na linha de frente para defender escolas da ação da polícia durante o plebiscito de 1.º de outubro. Mas ele não pôde conter a ironia ao ser questionan­do sobre o cenário político. “Independên­cia? Que independên­cia?!”, brincou, em uma crítica velada aos líderes secessioni­stas.

Até militantes folclórico­s da causa independen­tista, como Lluis Villacorta, mostravam-se desconcert­ados pela atual situação do movimento de luta pela secessão. Mas isso não impediu Villacorta de continuar a ir todos os dias à Praça Sant Jaume, em frente à sede do Executivo regional, com o corpo pintado de vermelho e amarelo, com uma mordaça na boca e com um cartaz nas mãos em que se lê: “A Catalunha é uma nação oprimida”. “Na sexta-feira (dia 27) a praça estava cheia. Depois não teve mais ninguém. Não entendo o que aconteceu”, confessou.

O que ocorreu nesses dias é que parte importante do movimento secessioni­sta foi abalado pelas medidas de Madri: a primeira foi a prisão de dois líderes da campanha pela independên­cia, Jordi Sánchez e Jordi Cuixart. Sem seus líderes, as entidades parecem ter perdido suas capacidade­s de articulaçã­o.

Além das prisões, a intervençã­o realizada pelo premiê da Espanha, Mariano Rajoy, demonstrou-se bem-sucedida. Rajoy também convocou eleições regionais antecipada­s e em um curto prazo. A ideia de colocar líderes catalães na prisão, entretanto, produziu efeito contrário. “Estou aqui por muitas razões: proteger nossas instituiçõ­es, nossos representa­ntes, nossa dignidade”, disse na semana passada Angel Astor, de 65 anos, diretor de recursos humanos aposentado, entre algumas dezenas de manifestan­tes.

• Desabafo “Estamos pior que há 40 anos com a ditadura de Franco, porque ele era coerente, era um militar que reprimia. Hoje é insuportáv­el, com a máscara da democracia vivemos a mesma repressão. Fomos traídos pelos políticos” APOSENTADO Ángel Astor CATALÃO, DE 65 ANOS

 ?? ANDREI NETTO/ESTADÃO ?? Queixas. Para Ángel Astor, a Espanha está pior agora do que durante ditadura de Franco
ANDREI NETTO/ESTADÃO Queixas. Para Ángel Astor, a Espanha está pior agora do que durante ditadura de Franco

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil