O Estado de S. Paulo

Hezbollah fala em guerra com sauditas

Oriente Médio. Líder da milícia xiita afirma que Riad está por trás de renúncia de Hariri e denuncia ‘intervençã­o sem precedente­s na política libanesa’; disputa extrapola fronteiras do país e ameaça tornar-se mais um confronto indireto entre sauditas e ir

- BEIRUTE

Grupo xiita acusou Arábia Saudita de declarar guerra ao Líbano ao “forçar a renúncia” do primeiro-ministro Saad Hariri.

O líder do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, acusou ontem a Arábia Saudita de declarar guerra contra o grupo xiita e contra o Líbano. Em um duro pronunciam­ento ao vivo na televisão libanesa, Nasrallah também disse que os sauditas forçaram a renúncia do primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, e o mantêm detido.

“É uma intervençã­o sem precedente­s na política do Líbano”, disse Nasrallah. “Está claro que a Arábia Saudita declarou guerra ao Líbano e ao Hezbollah.” A crise no Líbano agravou-se nos últimos dias. O que parecia ser apenas uma disputa interna de poder tornou-se rapidament­e um possível estopim de mais um confronto regional entre Irã e Arábia Saudita, as duas potências que há mais de uma década disputam a hegemonia no Oriente Médio.

Em uma viagem a Riad, no sábado, Hariri renunciou inesperada­mente ao cargo de primeiromi­nistro, e não voltou mais ao Líbano, apesar dos inúmeros apelos do presidente, o cristão maronita Michel Aoun. Ao justificar sua renúncia, o premiê disse que temia ser assassinad­o e acusou o grupo xiita Hezbollah e seu aliado Irã de controlare­m o Líbano. O governo saudita diz que Hariri é um homem livre e não teve nada a ver com sua decisão de anunciar sua renúncia em Riad. Depois do anúncio, a Arábia Saudita acusou o Líbano e o movimento Hezbollah de declararem guerra aos sauditas. Riad advertiu aos cidadãos sauditas a não viajar ao Líbano ou saiam de lá assim que possível.

Historicam­ente instável por causa da sua sociedade sectária, onde vivem sunitas, xiitas, cristãos e drusos, o Líbano criou um sistema de governo para impedir uma nova guerra civil como a que castigou o país entre 1975 e 1990. O sistema de governo, concebido para que todos os grupos sejam representa­dos, prevê um presidente cristão maronita, um premiê sunita e um presidente do Parlamento xiita.

Nos últimos anos, com a crescente luta pela hegemonia regional travada entre a monarquia sunita da Arábia Saudita e o Irã xiita, o Líbano se tornou a principal peça em disputa no tabuleiro do Oriente Médio. Os dois países apoiam lados rivais em conflitos no Catar, na Síria e no Iêmen. A situação piorou no começo do mês, quando um míssil foi disparado do Iêmen contra o aeroporto da capital saudita – o projétil foi intercepta­do. No Iêmen, rebeldes houthis xiitas, apoiados pelo Irã, lutam contra o governo sunita, aliado de Riad. O governo saudita acusou o Hezbollah de ter fornecido o projétil aos rebeldes e voltou a acusar Teerã de cometer um ato de guerra.

Um “grupo de apoio internacio­nal” de países preocupado­s com o Líbano, que inclui EUA, Rússia e França, pediu ao país que “continue a ser blindado das tensões na região”. Em um comunicado, eles também apoiaram o pedido de Aoun pelo retorno de Hariri. O presidente da França, Emmanuel Macron, fez uma visita-surpresa ao reino saudita na quinta-feira. Depois da viagem, o ministro das Relações Exteriores da França, JeanYves Le Drian, disse que as autoridade­s francesas não acreditam que Hariri esteja sob o controle da Arábia Saudita.

O Secretário de Estado dos Estados Unidos, Rex Tillerson, alertou para que “ninguém, dentro ou fora do Líbano, use o país como um joguete em guerras de procuração ou em qualquer modo que leve a instabilid­ade naquele país”. A mensagem pode servir tanto para o Hezbollah quanto para a Arábia Saudita.

Os eventos da última semana levaram analistas e diplomatas a temer que haja uma tentativa planejada de criar mais um conflito regional para enfraquece­r o Irã, desta vez no Líbano. Com o fim da guerra na Síria, onde o Hezbollah, apoiado pelo Irã, teve papel prepondera­nte na defesa do regime de Bashar Assad, o grupo xiita cresceu e ganhou força. Funcionári­os do governo israelense já se manifestar­am sobre a necessidad­e de um ataque que reduza o poder da milícia xiita. Em setembro, a Força Aérea de Israel, em conjunto com EUA, Arábia Saudita e outros seis países, participou do maior exercício militar da história do país: uma simulação de confronto na fronteira com o Líbano.

Uma guerra generaliza­da no Líbano, no entanto, ainda é pouco provável. “Os sunitas do Líbano não têm interesse em entrar em uma guerra com o Hezbollah, então o confronto, aqui, é puramente político, dentro e fora do país”, disse ao Estado Bilal

Saab, do Middle East Institute. Para ele, a renúncia de Hariri a um ano da eleição no Líbano serve para jogar os problemas do país no colo do Hezbollah e dos xiitas. Sem o apoio econômico da Arábia Saudita, será difícil para o Líbano resolver seus problemas, ainda mais com 1,5 milhão

de refugiados sírios no país. “Os sauditas parecem ter armado uma arapuca que mata dois coelhos com uma cajadada: forçam o Hezbollah a se preocupar com a política interna enquanto cresce a ameaça de uma guerra com Israel.”

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NABIL MOUNZER/EFE Tensão. Simpatizan­tes do Hezbollah ouvem discurso de Nasrallah em Beirute, onde líder do grupo afirmou que a Arábia Saudita interferiu na política do país
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Nasrallah. Líder do grupo radical islâmico

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