O Estado de S. Paulo

Gilles Lapouge

É CORRESPOND­ENTE EM PARIS

- EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ /

Governo francês lança uma nova tentativa de reabilitar extremista­s que retornaram ao país.

Mossul e Raqqa, as capitais do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, caíram. O presidente da França está satisfeito, e nós também. Mas Emmanuel Macron é inteligent­e demais para acreditar que isso seja o fim da crise. Na realidade, é mais uma metamorfos­e.

Pode-se indagar se as metástases desenvolvi­das pelo EI no mundo inteiro não serão piores do que foi a ação conduzida com mão de ferro pelos frios ideólogos de Mossul e Raqqa. A jihad, ou guerra santa, sempre foi uma ideia alucinada, mas de uma alucinação administra­da como um exército clássico, uma grande empresa.

Com o fim desse império do mal, uma outra organizaçã­o vai surgir – descentral­izada, descartáve­l, insaciável, um Estado sem Estado nem burocracia, sem território, impossível de localizar, com um exército de sonho e de pesadelo, que se dissipa ao ser destroçado, como as nuvens se dissipam depois da tempestade. As forças de segurança europeias não foram concebidas para enfrentar essa ausência mutável, anônima, sem regras. Não sabem como combater o invisível, como encarcerar o vento.

Os recentes atentados desfechado­s em cidades europeias tendo caminhões como armas são impossívei­s de se impedir. O Estado Islâmico em seguida se responsabi­lizava pelas ações, mas elas não haviam sido engendrada­s por seus estrategis­tas. Eram carnificin­as de baixo custo concebidas e realizadas pelas “bases” jovens do EI. O Estado Islâmico limitava-se a reclamar a paternidad­e.

Com o fim do “território jihadista”, milhares de combatente­s do EI deixaram ou estão deixando suas cidadelas do Oriente Médio para infectar o corpo já doente da Europa, muitos voltando a seus países de origem. Quantos deles são franceses? Os números oscilam. Milhares? Muitos milhares? E o que fazer com os que já foram presos? Isolá-los ou dispersá-los entre outros detentos, sob o risco de contaminá-los?

Há uma experiênci­a em andamento na França, ainda modesta e cercada de sigilo: um punhado de antigos jihadistas está em “processo de descontami­nação”.

Algo semelhante já fora tentado cerca de dois anos atrás pelo governo de François Hollande. Jihadistas veteranos e perigosos foram agrupados em prisões e submetidos a um programa de reeducação. Os monitores explicavam a eles que não se deve matar o semelhante. Para motivar os antigos assassinos, de tempos em tempos eles tinham de ouvir a Marselhesa, o hino nacional francês. Não deu muito certo.

A nova tentativa foi lançada há alguns meses, sob grande mistério, e envolve de início 14 jihadistas presos. O nome do projeto também é novo: Pesquisa e Intervençã­o sobre a Violência Extremista (Rive, na sigla francesa). Agora, em vez de serem reeducados em grupo, os jihadistas serão reabilitad­os individual­mente, em lugares não revelados. Especialis­tas avaliam os fatores de risco de cada um para decidir se a reabilitaç­ão é possível, e qual o tratamento a ser empregado.

Ao contrário da experiênci­a inicial, as pessoas não são voluntária­s. É um juiz quem determina que participem do esquema, pelo prazo mínimo de

um ano. A ameaça de volta à prisão paira sempre sobre os que não respeitare­m as regras. O método poderá em breve ser aplicado a cerca de 50 pessoas.

Ao que se diz, os primeiros resultados são encorajado­res. “Os 14 reabilitan­dos tomaram consciênci­a de que sua radicaliza­ção era um problema” , disse uma fonte. É mesmo? Ainda há um longo caminho à frente. A meta dos educadores e psicólogos é “fazer com que essas pessoas tenham vontade de se reinserir na sociedade”. Ah, bom!

De qualquer modo, o assunto é terrível demais para ironias. O perigo que ameaça a Europa manda que tentemos de tudo. A nova experiênci­a, além dos possíveis benefícios na reabilitaç­ão de jihadistas (será que um dia saberemos os resultados?), deveria ser vista como uma colaboraçã­o original para a psicologia e a criminolog­ia.

Paris lança nova tentativa de reabilitar extremista­s que retornaram à França

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